A obra «D. Quixote de La Mancha» é a obra prima de Cervantes e o livro laico mais impresso em todo o mundo. Cervantes quando escreveu esta sua obra, baseando-se na sua própria experiência e aventuras pessoais dramáticas - ora intensas e de aventura, ora de inércia e marasmo -, criou um género novo que rompia com o que se fazia na época, aliás, criou algo que criticava e que era uma sátira à literatura popular de então - aventuras e contos cavalheirescos onde destemidos heróis provavam a sua coragem e força, superando provas e obstáculos impossíveis, culminando quase sempre no salvamento de uma donzela encarcerada.
D. Quixote e a mula - Honoré Daumier |
Assim, o autor de "D. Quixote", segundo o documentário "Cervantes e a Lenda de D. Quixote" da autoria de Daniel e Jaume Serra, escreveu este conto como critica àquilo que considerava ser baixa literatura: os contos e novelas de cavaleiros - por serem livros produzidos em massa sem cuidados mínimos na forma e conteúdo, desfasados de realidade e que serviam apenas para entreter sem nada transmitirem de verdade. Em pleno século XVII, estando Espanha no seu auge, Cervantes, através da sua sátira, que foi muito além da mera crítica, redefine, involuntariamente - ou não -, o modelo literário daquilo que seriam os posteriores Romances: cria a figura do herói como manifestação que retrata a condição e limitações humanas; descreve e apresenta ideais e valores - incluindo as utopias - de indivíduos e sociedades através das suas personagens e ambientes; mistura humor e drama, os condimentos de uma história bem realista pois é assim que a vida de facto é, uma mescla de "bem e mal", de alegria e tristeza, sucesso e insucesso; e até, dizem os autores do documentário, concretiza pela primeira vez em personagens literárias os arquétipos da dualidade antagónica das parelhas de heróis, algo que será copiado e readaptado posteriormente na literatura e cinema (por exemplo: "Sherlock Holmes e Dr. Watson", "Bucha e estica", entre muitos outros - basta pensar um pouco e logo muitas outras parelhas nos surgem).
Em jeito de resumo, Cervantes, com o seu D. Quixote de La Mancha (historia de um velho meio louco que se torna num cavaleiro andante, acompanhado pela voz da razão que é Sancho Pança, sempre à procura de aventuras, de defender os fracos e oprimidos, e de salvar a sua Dulcineia), para além de criticar um modelo de literatura do seu tempo que considerava inferior, redefine o modelo em que se irão basear posteriormente algumas das grandes obras do Romance e da Ficção Literária dos séculos subsequentes.
Em jeito de resumo, Cervantes, com o seu D. Quixote de La Mancha (historia de um velho meio louco que se torna num cavaleiro andante, acompanhado pela voz da razão que é Sancho Pança, sempre à procura de aventuras, de defender os fracos e oprimidos, e de salvar a sua Dulcineia), para além de criticar um modelo de literatura do seu tempo que considerava inferior, redefine o modelo em que se irão basear posteriormente algumas das grandes obras do Romance e da Ficção Literária dos séculos subsequentes.
Agora pergunto eu - falando de arte e cultura -, será que alguém conseguirá pegar neste exemplo de acção criativa de Cervantes e transformar algum "lixo" que nos invade em algo de novo e de qualidade?
Uma reciclagem cultural hoje provavelmente também não seria de todo despropositada a meu ver, pelo menos para alguns casos.
Boa Noite Micael … ou talvez, Bom Dia!
ResponderEliminarEntendi a sua mensagem e compreendo as convicções com que a finaliza. Estamos de novo numa daquelas alturas em que a crise não é apenas económica, ela invade-nos a consciência ao ponto de sermos levados a questionar os valores tradicionais, como fez Cervantes e que por isso o invocamos também – como o fizeram os homens do primeiro pós-guerra, na arte, na literatura e até na ciência, aliás de mãos dadas entre eles, na descrença por eles sentida relativamente aos tais modelos e valores positivistas tradicionais com que desejavam e conseguiram romper em nome de uma renovação (pode chamar-lhe reciclagem) das concepções científicas de que resultaram o Relativismo de Einstein ou a Psicanálise de Freud concepções essas conjugadas com as de outros vanguardistas da Arte e da Literatura, desde o fauvismo de Matisse ao surrealismo de Dali. E quanto à relação entre estes e os novos caminhos da literatura esse compromisso foi gritante. Importa referir que também eles se lembraram de Cervantes.
Sabia que Sigmund Freud aprendeu espanhol apenas para poder ler “D. Quixote” no original?!!
É verdade. É uma tremenda curiosidade histórica e, curiosamente, este post representa mais uma prova do carácter cíclico do curso da História até ao nível das reacções mentais e comportamentais da sociedade face à realidade instante.
Uma reciclagem cultural hoje? Talvez… mas devidamente matizada.
Um Abraço
Sem dúvida que as implicações da criação do D. Quixote foram imensas e, penso que, ainda subvalorizadas actualmente. Provavelmente isso só acontece porque mais uma vez se descura o estudo da história, neste caso o estudo da história da literatura enquanto arte.
ResponderEliminarQuanto à reciclagem que falo, penso que, acima de tudo, tem de ser um acto pessoal que parta da consciência do próprio individuo - apesar de se poder ensinar a gostar e apreciar muitas coisa que de outro modo não seria possível. Pois enquanto consumidores de "cultura", só consumimos aquilo que queremos. Quer se queira quer não, o que se consome é, salvo raras excepções, fruto de escolhas livres. Quanto muito podemos ser condicionados pelo que não nos ensinam ou ensinaram.
Muito obrigado por mais este excelente comentário caro Leonel Salvado