segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Desenvolvimento Sustentável - Uma ideologia dos nossos tempos?

No livro "O Urbanismo depois da Crise" Alain Bourdin defende que o desenvolvimento sustentável se transformou numa ideologia. Só por si esta afirmação merece ser analisada, tanto do ponto de vista político como do desenvolvimento sustentável em si.

Esta suposta ideologia pode ser tão frágil como as demais à beira de extinção, próprias de um modernismo que já passou. Vejamos então como se cria uma ideologia: primeiro surge uma ideia, dá-se depois um processo de doutrinação e por fim constitui-se uma ideologia. Sendo que a ideologia pode ser considerado como um conjunto estruturado de ideias que podemos aplicar sem questionar. Serão então essas mesmas características que podem fazer do desenvolvimento sustentável uma ideologia mas ao mesmo tempo impedir que tal possa de facto assumir-se pelo conflito com o contexto socioeconómico em que vivemos.
 
Ferragosto - Cy Twombly

Encontraremos imensas  definições de desenvolvimento sustentável, numa tendência cada vez mais abrangente e holística. Se o conceito nasceu da conjugação da dimensão ambiental, social e económica, cada vez mais dimensões são acrescentadas. Componentes como a cultura, a governança e outras são comummente incluídas nas definições mais recentes. Se a isto juntarmos as teorias do decrescimento, a tendência de um desenvolvimento acumulado que tende a aumentar, compensando a necessidade de maiores consumos com o desenvolvimento tecnológico ou outros, podemos chegar a becos sem saída. Dificilmente alguém se opõe ao desenvolvimento sustentável enquanto conceito vago ou aplicado em exemplos práticos isentos de conflitos, ainda que tal possa depois ser problemático quando choca com hábitos e direitos adquiridos dos indivíduos. Por exemplo: quando se recomenda a redução do uso de água, do excesso de aquecimento dos edifícios, do uso massivo do transporte individual, entre outros.

O Desenvolvimento Sustentável parece ser capaz de intervir em todas as dimensões da nossa vida, contribuindo para uma mudança social profunda. Tem uma teoria fundamentada que o suporta, permite construir projectos de pequena e grande escala. Não é de espantar que se abandone a dicotomia esquerda-direita e se opte por este novo tipo de ideologia, aparentemente mais isenta dos chavões partidários que tantas pessoas têm afastado do exercício da cidadania política. Mas área de intervenção pode ser tão vasta que o torna difícil de assimilar de forma simples e imediata, o que pode dificultar a doutrinação, especialmente numa sociedade “hipermoderna”, onde tudo é rápido, superficial e efémero, tanto como o consumismo em que assenta. Tudo isto pode ser paradoxal.

A definição de desenvolvimento sustentável “ter um desenvolvimento atual de modo a que não condicione o desenvolvimento futuro” parecer ter ganho uma complexidade que o pode tornar vazio de sentido. Para Bourdin o conceito de desenvolvimento sustentável peca por se ficar pelas recomendações e não pela definição exata de medidas e projetos. Para outros autores, como Rogério Roque Amaro, a dificuldade prende-se mais pelo uso excessivo das palavras, de um conceito que parece gasto por uso excessivo sem a devida aplicação. As palavras desenvolvimento sustentável parecem estar a ficar agstas antes de tempo, arriscando-se à insustentabilidade como as ideologias mais tradicionais. No entanto, existem cada vez mais projetos que vão materializando os princípios do desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável, a ser uma ideologia é-o no contexto do pós-modernismo, ou hipermodernismo como diz Lipovetsky, no ocidente, pois é flexível, indefinido e altamente adaptável a cada caso e realidade. Pode ter dificuldades de afirmação e aplicação por se ter diluído numa sociedade que usa informação em massa sem a aprofundar, tornando-se o conceito potencialmente gasto pela sua complexidade e necessidade de compreender caso a caso de um modo multidisciplinar. Por outro lado pode condicionar os indivíduos, o que choca com o princípio basilar do individualismo consumista próprio das sociedades pós-modernas. Será assim uma ideologia de choque e mudança perante os hábitos e estios de vida atuais?

Digamos então que é uma ideologia líquida, como dizia Bauman, e algo indefinida. Ou seja, na era do pós-modernismo, em que as ideologias despareceram com a afirmação do individuo perante os valores ideológicos colectivos de construção das sociedades do futuro, quase sempre utópicas, a causa do desenvolvimento sustentável parece ser a única capaz de sobreviver, apesar da sua indefinição e aplicabilidade prática poder estar em conflito com os valores que estruturam as sociedades contemporâneas. Pode no entanto persistir como ideologia em grupos restritos, isto porque hoje as sociedades são cada vez menos homogéneas, compostas por grupos de pertença mais ou menos instáveis.

Só no futuro saberemos se a sustentabilidade será atingível e se os consumismos, e outros impulsos individualistas, podem ser refreados, se a tecnologia consegue acompanhar as necessidades de crescimento num mundo material e físico finito. Poderá surgir um momento de conflito entre ideologias líquidas, a do individualismo consumista e a do desenvolvimento sustentável, quem sabe mesmo a do decrescimento. Misturando-se as águas turva-se a capacidade de ver através destes fluídos dinâmicos.

Será essa eminência dialética a encerrar o pós-modernismo das sociedades hedonistas individualistas de consumo, inaugurando uma nova época? Não sabemos, pois as sociedades contemporâneas parecem cada vez menos dispostas a uma dialética aprofundada em que as ideias confrontam ideias.
 
Algumas referências:
* Intervenção no” II Congresso Internacional, Educação, Ambiente e Desenvolvimento”, organizado pela OIKOS, de 9 a 12 de Novembro de 2016, em Leiria

Bauman, Zygmunt – Amor Líquido. Lisboa: Relógio D’Água, 2008.
Bourdin, Alain – O Urbanismo depois da Crise. Lisboa: Livros do Horizonte, 2011.
Fernandes, António José – Introdução à ciência política. Lisboa: Porto Editora, 2015.
Latouche, Serge –  Pequeno tratado do decrescimento sereno.  Lisboa: Edições 70, 2011.
Lipovestsky, Gilles – Tempos hipermodernos. Lisboa: Edições 70, 2011.
 
 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Modigliani – O pintor de esculturas

Amedeo Clemente Modigliani foi um pintor italiano que se inseriu no movimento modernista da arte europeia no início do século XX. Trabalhou em Paris e pertenceu à comunidade de artistas que fez nascer a multiplicidade de vertentes das artes plásticas que tornaram a cidade das luzes a verdadeira capital da arte moderna. Foram tantos os artistas a coexistirem e a produzirem trabalhos arrojados em Paris nessa altura que dificilmente se poderá repetir tal singularidade geográfica na história da criatividade artística como nas primeiras décadas do seculo XX em Paris. A cidade atraia artistas de todos os países e nacionalidades, ainda que as condições de vida e oportunidades fossem desiguais.
 
A mulher com fita de veludo - Amedeo Modigliani

Modigliani foi um desses artistas emigrantes, proveniente de Itália, que contribui para a glória das criações artísticas na cidade, ainda que disso pouco se tenha gozado. Morreu jovem, na miséria e vítima dos excessos da vida boémia e de uma meningite tuberculosa. Apesar de o podermos considerar como modernista, o seu estilo de pintura apresenta características muito próprias. Talvez a paixão pela escultura, talvez mais que pela pintura, o tenha feito destacar entre os restantes pintores.

 A sua saúde frágil e escassez de recursos materiais impediram que se dedicasse totalmente à escultura. Assim, o pintor, que havia abandonado os pinceis depois do escultor Constantin Brancusi lhe ter revelado o interesse pelo trabalhar da pedra, viu-se forçado a desistir da escultura para voltar à pintura. As partículas libertadas nos trabalhos escultórios e a exigência de esforço físico devastavam Modigliani, que também não dispunha dos recursos materiais necessários para o desenvolvimento dessa arte, mesmo tendo ensaiado trabalhos em madeira. Assim, Modigliani abandonou definitivamente a escultura e dedicou-se novamente à pintura em 1914, seis anos antes da sua morte aos 35 anos.

Modigliani terá transportado para a tela a arte escultória. Tal como Picasso, era fascinado pela arte africana, especialmente pelas máscaras, das quais retirou influências. Criou assim uma nova forma de fazer retratos. Poderíamos dizer que era capaz de transformar os seus modelos em estátuas virtuais que depois pintava na tela. A sua obra gráfica fala por si.

O fatalismo que marcou a vida e morte de Modigliani, tal como a intensa paixão pela sua amante, terá influenciado seguramente as suas singulares pinturas.

Algumas referências:

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