quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Persiste a tendência de tornar bens e serviços coletivos em individuais?

Numa breve (até leve e simplista) análise da evolução histórica das sociedades, tentando definir um padrão continuo, muitos equipamentos, serviços e funções sociais começaram por ser coletivos/públicos. Mas a tendência individualista e a capacidade dos sistemas produtivos em série (segundos os modelos Fordistas e Tayloristas) conseguiram disponibilizar alguns desses bens diretamente a cada pessoa, individualizando-os. Por exemplo: os banhos e WCs começaram por ser públicos (basta lembrar a antiga Roma) e posteriormente tornaram-se em comodidades privadas; os relógios e sinos transformaram-se em relógios de sala ou parede coletivos, depois em objetos individuais de bolso ou pulso; Os telefones começaram por ser coletivos, passando também a equipamentos familiares ou empresariais, e mais recentemente tornaram-se completamente individuais com a generalização dos telemóveis.

Perfil de Tempo - Salvador Dalí
 Ou seja, estas tendências foram possíveis porque os sistemas produtivos (em massa) o permitiram, mas porque os modelos de consumo se alteraram. Estas comodidades continuariam provavelmente a ser mais sustentáveis se fossem de uso coletivo, mas o individualismo e prosperidade económica permitiu que a “privatização” fosse viável. O mesmo não aconteceu com outros equipamentos urbanos – orientando esta reflexão para o urbanismo -, tal como hospitais, universidades, estádios, etc*. Ainda que seja possível alguém ter, por exemplo, uma piscina privada, será difícil mesmo para uma família da classe média ter uma clínica privada em casa.
Curiosamente, nos dias que correm, redescobrem-se as formulas coletivas antigas. Começam a surgir cada vez mais sistemas alternativos que contrariam os modelos consumistas individualistas, especialmente pela crescente consciência ambiental. A reutilização de bens por opção é uma realidade, tal como a partilha – basta lembrar os sistemas de “car sharing” e “car pooling”.
Os modelos contemporâneos de desenvolvimento urbano, que se ligam com todo o tipo de desenvolvimento no geral, tendem para soluções heterogéneas* e adaptadas a realidades físicas, sociais, económicas e outras particulares (desde a grande cidade à realidade de uma pequena rua ou bairro, sabendo-se que a solução para cada caso quase nunca é replicável noutras realidades). Inseridas nessa tendência reforça-se a necessidade de assegurar a sustentabilidade através da utilização racional de recursos através de partilha, reutilização e reutilização. Assim, em parte, contraria-se a individualização e certos bens e serviços, sendo que existe cada um novo ponto de equilibrio a terá peso incontornável: a sustentabilidade. Já não é aceitável consumir mesmo que tal seja economicamente viável no presente, pelo menos já não é válido em todos os locais, para tudo e todos os casos.

Mais alguns texto do blogue relacionados com o tema do artigo:

Referências bibliográficas
      *Acher, François; 2012. "Novos Princípios do Urbanismo". Livros Horizonte.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Cleópatra era Feia?

Alguns estudos e investigações mais recentes revelam que a imagem popular da a última governante do Egipto faraónico talvez não seja verdadeira. Parece que Cleópatra não era particularmente bonita, muito menos portadora de uma beleza capaz de hipnotizar. Os registos romanos, talvez encomendados e orientados por razões políticas, sejam apenas manipulações falsas. De facto houve um relacionamento entre Cleópatra e dois dos homens mais poderoso da época, cada um a seu tempo. Primeiro foi o envolvimento com Júlio César e depois com Marco António. Os cronistas romanos fizeram-nos crer que tanto Júlio César como Marco António teriam cedido aos encantos magnetizantes da beleza e sexappeal da exótica rainha do Egipto, tentando fazer diminuir a sua excecional educação/cultura e capacidades intelectuais/políticas – algo mal visto pela mentalidade romana daquele tempo, fruto de uma sociedade patriarcal que secundarizava o papel social/político da mulher.
Cleopatra testando veneno em condenados - Alexandre Cabanel
Estudos de Sally Ann Ashton e Joyce Tyldesley, com base em antigos registos, estatuária, numismática e outro tipo de gravuras, sugerem que Cleópatra seria de facto exótica mas que não seria um exemplo espetacular de beleza, podendo ser considerada, pelos padrões atuais, até feia. 
Reconstituição de Cleopatra. Fonte: Ancients Behaving Badly

Numa das reconstituições Cleópatra assume um aspeto pouco simpático: testa proeminente, queixo pontiagudo, lábios finos e nariz encurvado. Noutra reconstituição foi-lhe considerada como uma jovem portadora de uma beleza exótica com forte mistura étnica europeia e africana.
Reconstituição de Cleópatra. Fonte: Daily Mail 
Restam então muitas dúvidas sobre o aspeto real de Cleópatra, mas certo é que as imagens que o cinema nos deixou, especialmente com Elizabeth Taylor, estão quase de certeza muito longe da realidade. De qualquer dos modos, mesmo que Cleópatra não tenha sido a mulher mais bela do seu tempo, teve sem dúvida uma capacidade ímpar de cativar os homens mais poderosos de então, fascinando também as gerações posteriores até hoje. Bela ou não, Cleópatra tinha com certeza algo de muito especial, seguramente um personalidade muito forte e cativante, tanto que continuamos a falar dela mais de 2000 anos depois.

Fontes bibliográficas:
Vídeos

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Heidegger e um hipopótamo chegam às portas do paraíso – A Morte e a Imortalidade para os filósofos

Socorro-me de um livro improvável para ensaiar algumas respostas sobre a nossa mortalidade, mais concretamente do livro de humor filosófico “Heidegger e um hipopótamo chegam às portas do paraíso” (dos mesmos autores de “Platão e um Ornitorrinco entram num Bar”, aqui já referido no blogue). Apesar de sabermos que vamos morrer dificilmente nos imaginamos a um dia deixar de existir de facto (ver Ernest Becker). Se assim não fosse não haveriam tantas tentativas e teorias para entender a morte, e por consequentemente ensaiar a imortalidade ou o que eventualmente poderá vir depois desta nossa existência. São muitas as referências neste livro - sempre em tom bem-humorado - que valem a pena referir. 
Marat Assassinado - Jacques Louis David
Na tentativa de buscar a imortalidade, para fugir à fatalidade da morte, desenvolveram-se soluções para todos os gostos, e os filósofos foram particularmente criativos nisso – ainda que por vezes incompreensíveis. As várias religiões ofereceram e continuam a oferecer várias possibilidades para a vida depois da morte terrena, umas recorrendo a conceitos de paraísos ou infernos eternos, outras através de reencarnações, e ainda umas outras que fugiam em parte a estes arquétipos. Mas o que interessa para este texto é o modo como os pensadores e suas filosofias lidam com a morte. Por isso, aqui vai, de um modo mais ou menos cronológico!
Platão terá sido o principal teórico da alma. Ao definir concreta e metodicamente a alma como algo imaterial e diferente do corpo que morre, permite a possibilidade da imortalidade dos seres humanos através da persistência das suas almas. 
Séneca, como estoico que era, não considerava que uma longa vida fosse algo de importante. Para ele a qualidade era mais importante que a quantidade, pelo que a imortalidade era assim relativizada e diminuída. Essa tese seria posteriormente recuperada por Camus nas suas reflexões sobre o suicídio.
Descartes colocou a visão dualista de Platão em causa, pois como poderiam a alma e o corpo ser separáveis se ambos são interdependentes e dependentes entre si. Surgia a dúvida que levaria a questionar a imortalidade segundo os antigos ensinamentos. Assim Leibniz definiu essa dualidade como um funcionamento síncrono perfeito e dependente, criado por Deus. Em oposição, Huxley referiu que a consciência era apenas um efeito secundário do corpo, mais concretamente do cérebro. 
Para Kierkegaard o problema da morte prende-se com a noção de uma vida finita, uma em que nunca poderemos experimentar todas as coisas nem viver tudo. Assim, para evitar a necessidade de querer a imortalidade, o melhor é não viver mais que momentos triviais. Assim dispensa-se a imortalidade pois não haverá necessidade de viver mais do que o estritamente necessário. Schopenhauer segue mais ou menos pelos mesmos princípios, pois considera a vida um constante processo de morte, e são as espetativas que a tornam num sofrimento e frustração, por isso, tal como Kierkegaard, o melhor é viver de um modo simples. 
Para Freud é o subconsciente que inventa um ser supremo de modo a garantir uma sensação de segurança para com a grande dúvida e medo que é a morte. Já Jung defendia que o subconsciente, com a idade, se preparava para aceitar e lidar com a morte, em oposição à razão. 
Heidegger considera que o melhor modo de lidar com a morte é aceita-la, só assim se poderá viver de facto. Para ele a eternidade é entediante e algo a evitar, sendo que importa fazer da vida uma sequência de grandes momentos que nos levem a desfrutar dela ao máximo.  
Referindo de novo às teorias de Becker, um modo de atingir a imortalidade, ainda que indiretamente, é optar por deixar grandes obras ou feitos para que se seja recordado na posteridade. Não será uma imortalidade inteira, consciente ou ativa, mas à falta de melhor é algo a que muitas pessoas se agarram. Outras especulam e depositam todas as esperanças em adquirir a imortalidade através das ciências médicas, via criopreservação, clonagem, robotização biónica e um infindável rol de ficções que parecem aproximar-se cada vez mais da realidade.
Em jeito de tentativa de resumo: a morte é inevitável, o modo como cada pessoa lida com essa inevitabilidade é que pode ser muito variável.

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