quarta-feira, 31 de maio de 2017

Origem do termo “Freelancer”

Tal como a tradução direta  do inglês indica um “freelancer” é uma lança livre. A origem do termo estará relacionada com a Idade Média, quando os cavaleiros “alugavam” a sua lança. Ou seja, trabalhavam ao serviços do senhor feudal que os contratasse, isto porque era responsabilidade desse senhor garantir a seguranças das suas terras e participar em guerras, desencadeadas por ele ou a quem devesse vassalagem. No sistema feudal cada proprietário, ou “gestor” em nome doutrem, de terras devia vassalagem a um senhor de estatuto superior, que em teoria gerava uma cadeia de ligação até ao próprio rei. O rei (que supostamente era o maior dos senhores, num sistema que não conhecia ainda os valores do nacionalismo nem a organização do Estado Moderno), ou os vários senhores feudais poderiam solicitar aos seus vassalos (dependentes hierárquicos) serviços militares, quase sempre contabilizados em homens de armas ou abastecimentos, para além dos habituais impostos cobrados das mais variadas formas. Num sistema em que a moeda era escassa, o imposto poderia ser cobrado e pago em horas de serviço, dependendo da especialidade das pessoas em causa.
 
Excerto da Tapeçaria de Bayeux

Ao analisarmos a Tapeçaria de Bayeux, referente à batalha de Hastings de 1066, que confirmou a conquita do reino de Inglaterra pelo Duque da Normandia (que curiosamente era vassalo do rei de França), ficou evidente a importância que a cavalaria deteve no campo de batalha. Nesta tapeçaria, que é um verdadeiro documento de suporte histórico, registam-se visualmente as mudanças e diferenças entre as táticas militares dos exércitos anglo-saxónicos, que defendiam Inglaterra com as suas táticas de infantaria pesada que recorria maioritariamente a grandes machados, e a flexibilidade do exército normando e da sua cavalaria conjugada com outras unidades militares especializadas, tais como arqueiros. Na batalha de Hastings ainda se ilustram alguns dos cavaleiros a usar as suas lanças como armas de arremesso e penetração de estocada, mas sem transmitirem o potencial de carga da cavalaria que ficaria associada ao imaginário popular dos torneios medievais.
 
Excerto da Tapeçaria de Bayeux
 
Posteriormente, os cavaleiros passaram a dominar os campos de batalha, sendo os “tanques da idade média”, e a lança usada nas cargas de cavalaria de modo semelhante ao que se representa nas recriações contemporâneas dos torneios medievais. O cavaleiro passou a usar a sua lança de uma forma mais sólida e integrada, criando uma simbiose artificial entre a arma, o seu corpo, a armadura e o cavalo, como arma que permitia transferir eficazmente e com precisão a força da carga do cavalo contra os oponentes. Terá sido isto a fazer destacar o valor das lanças, ao ponto de representarem os próprios cavaleiros.

Séculos depois, o termo foi adaptado, já na época contemporânea, para qualquer profissional que “alugasse” os seus trabalhos de forma temporária para a realização de um determinado serviço, habitualmente relacionado com uma ou mais áreas de especialidade, reforçando a sua individualidade.

Nota: o documentário "Sword, Musket & Machine Gun: Britain’s Armed History " foi exibido em Portugal no canal Odisseia, com informação disponível em: http://odisseia.pt/programas/combate-armado-da-espada-a-metralhadora/

Fontes vídeo e online:
• “Freelancer”.  Wikipédia. [em linhas], disponível em: 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Freelancer
• Sword, Musket & Machine Gun: Britain’s Armed History. [documentário vídeo]  Trailer disponível em in: https://www.youtube.com/watch?v=OgYQ9d0rRQU

Foste bibliográficas de apoio
• NICHOLAS, David. A Evolução do Mundo Medieval: Sociedade, Governo e Pensamento na Europa: 312-1500. Lisboa: Públicações Europa-América, 1999.
• SOLAR, David; VILLALBA, Javier (Dir.). História da Humanidade: Idade Média. Barcelona: Circulo de Leitores: 2007.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Processos colaborativos de decisão pública e o metabolismo urbano: o projeto Urban Wins

Leiria aderiu ao projecto Urban Wins [1], que tem como objetivo estudar o metabolismo urbano da cidade. Uma abordagem sistémica comparando as cidades a seres vivos não é recente. Já Patrick Geddes [2] tinha feito essa associação no início do século XX, inovando ao referir que as cidades evoluíam, cresciam, decresciam e até podiam morrer, consumiam e produziam. Foi na altura uma abordagem de grande originalidade. Esta abordagem orgânica seria, por vezes, contrária às tendências do movimento modernista do urbanismo, mais preocupado em optimizar as funções urbanas, vendo a cidade mais como uma máquina do que como ser vivo.


Quase um século depois o projeto Urban Wins centra-se nos metabolismos urbanos, partindo de todo uma herança de pensadores e investigadores que foram desenvolvendo abordagens orgânicas das cidades. Em 1965 Abel Wolman [3] definiu o “metabolismo urbano […] como a quantificação das necessidades de materiais e bens necessárias ao suporte das tarefas humanas nas cidades, incluindo a remoção e deposição dos resíduos” [4]. Já no século XXI Christopher Kennedy atualizou o conceito de metabolismo urbano para “O somatório de todos os processos técnicos e socioeconómicos que ocorrem nas cidades, resultando em crescimento, produção de energia e eliminação de resíduos” [5].

Mais que um ser vivo, os novos conceitos de metabolismo urbano consideram as cidades como ecossistemas. Logo, exigem abordagens sistémicas, que por sinal são bastante complexas, porque aquilo que define uma cidade é a variedade de atividades que nela decorrem, quase sempre associadas ao consumo e utilização de recursos naturais.  É exactamente isso que o porjeto Urban Wins pretente realizar para cada uma das cidades piloto, sendo Leiria uma delas. Pretende conhecer cada sistema urbano de modo a poder identificar medidas de redução dos outputs, especialmente dos resíduos produzidos. Isto porque a cidade é um sistema de consumo e produção, gerando subprodutos dessa dinâmica, entre eles os resíduos que têm de ser geridos.

Se o conceito de desenvolvimento sustentável foi defendido no relatório de Brundtland em 1987 [6] como sendo a conjugação do desenvolvimento económico, social e ambiental, atualmente os conceitos de desenvolvimento sustentável têm sido alargados. Facilmente encontramos referências que adicionam ou separam da componente social a dimensão cultural e política [7]. Do mesmo modo, com este alargamento teórico surgiram também criticas pela inoperância do conceito, sugerindo-se que o desenvolvimento sustentável se materialize de modo viável para casos concretos práticas, caso contrário pode perder o significado como conceito geral.

A dimensão política é explorada com particular atenção do projeto Urban Wins, na perspectiva da tomada de decisão pública assente em processos colaborativos. Pretende-se promover iniciativas de trabalho colaborativo com os stakeholders das várias cidades, onde, através de modelos participativos que promovem a equidade participativa assente na informação, se possam identificar os principais problemas locais e possíveis soluções.

De um modo muito sucinto estes modelos participativos serão chamados de Ágoras, numa relação com os antigos centros de vida social das polis gregas, onde terão nascido as ideias que levaram à criação da democracia (pelo menos em Atenas, ainda que as sessões políticas formais se realizassem na Pnyx [8]). Nessas sessões cada representante dos stakeholders irá participar numa mesa de debate onde identificarão problemas e questões a tratar isoladamente. Um facilitador garantirá que todos podem conhecer os conteúdos identificados e que esses mesmos conteúdos são ordenados tematicamente de forma visível para todos. Depois haverá um sistema de votação com múltiplos votos. Os problemas/assuntos mais votados voltam às mesas para discussão, sendo aprofundadas as problemáticas, as dificuldades, barreiras e soluções. Por fim as soluções podem ser redigidas a apresentadas novamente por um representante de cada mesa de trabalho. Estes conteúdos serão depois tratados em relatórios de análise.

Sessão de treino e formação para a realização das ágoras do projeto Urban Wins

Isto é um exemplo simples da implementação de uma metodologia colaborativa, que tem obviamente as suas próprias regras e técnicas de funcionamento, com necessidade de controlo pelo facilitador dos tempos de intervenção, do foco nos assuntos a tratar e até da possibilidade de recorrer a alguns especialistas e técnicos para explicação de conceitos e de outras informações que possam ser importantes para os processos de identificação, votação e decisão. Serão realizadas várias ágoras presenciais onde estas e outras metodologias colaborativas podem ser utilizadas. Vão ocorrer em simultâneo ágoras online.

O projeto Urban Wins pretende ser um exemplo, um teste para poder ser seguido noutras áreas, demonstrando como a conjugação dos modelos científicos de casos reais e dos modelos participativos e colaborativos podem gerar soluções verdadeiramente sustentáveis para o futuro do nosso desenvolvimento colectivo.

Nota: O Projeto Urban Wins é um projeto Europeu financiado pelo Programa de Investigação e Inovação 2020.

Referências:
[1] https://www.urbanwins.eu/
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/Patrick_Geddes
[3] https://en.wikipedia.org/wiki/Abel_Wolman
[4] http://pme.pt/metabolismo-urbano-cidades-comem/
[5] https://urbanmetabolism.weblog.tudelft.nl/what-is-urban-metabolism/
[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland
[7] https://jus.com.br/artigos/22847/a-construcao-do-desenvolvimento-sustentavel
[8} https://pt.wikipedia.org/wiki/Pnyx

#urbanwins
#EUinmyRegion

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Quando existiam dois e mais Papas em simultâneo

Houve um momento em que existiram dois Papas, dois chefes da igreja católica, reconhecidos como tal por vários reinos. Chamou-se a esse período da história medieval: “O Grande Cisma”. Poderíamos pensar que eram eventuais questões religiosas e espirituais que estavam em causa e levaram a essa separação, mas não foi bem assim. O facto de terem existido duas cortes pontífices, uma em Avinhão e outra em Roma, cada uma com o seu respetivo Papa, acontecia, principalmente, por questões políticas e administrativas.

Papa Inocêncio X - original de Velasquez (Sec XVII) e estudo de Francis Bacon (Sec. XX)
Fonte de imagem: http://de.phaidon.com/agenda/art/articles/2013/february/08/the-truth-behind-francis-bacons-screaming-popes/

O seculo XIII foi politicamente atribulado, com inúmeras guerras, locais entre senhores feudais e das restantes de maior escala entre reinos. O papado estaria envolvido direta e indiretamente em algumas delas. De notar que a própria igreja era uma poderosa organização que se constituía senhorios territoriais e administrativos. Existiam os “Estados Pontifícios” em Itália, em que o Papa era seu senhor ou príncipe, inserido no complexo sistema feudal medieval.

Voltando ao século XIII, a situação política na península italiana foi particularmente caótica. Os conflitos entre o poder papal e alguns dos reinos mais poderosos europeus eram uma realidade, especialmente por questões de propriedades fundiárias, de administração e tributação. De notar que a Igreja detinha propriedades muito consideráveis que administrava diretamente e indiretamente, que estavam isentas de impostos e dos contributos que o sistema feudal exigia por toda a europa, o que obviamente desagradava aos governantes, especialmente quando precisavam de mobilizar estes recursos para as suas campanhas militares.

Em 1309 o papado comprou a localidade de Avinhão à rainha Joana de Nápoles. Nessa cidade seria instalada a nova residência oficial, abandonando a histórica cidade eterna. Os papas deixaram Roma. A partir daí a composição do colégio dos cardeais seria maioritariamente francesa, resultando na eleição maioritária de papas franceses, de tal modo que o papado parecia ser um instrumento da coroa francesa.

Em 1377 o papa Gregório XI sentiu que Roma era de novo segura e voltou à cidade. Depois da sua morte uma multidão aprisionou os cardeais que, sob ameaça de mutilação por parte da população, escolheram um papa romano. O novo Papa, Urbano VI, forçou os cardeais a abandonar o seu estilo de via faustoso. Mas sabendo disto o rei Carlos V de França impeliu os cardeais franceses a abandonarem Roma. Posteriormente elegeram o primo do rei Carlos V, o cardeal Roberto de Geneva como novo Papa Clemente VII. A sua corte papal instalou-se de novo em Avinhão.

A europa dividiu-se politicamente, e supostamente religiosamente. Ingraterra, parte da Alemanha e da Itália apoiavam Urbano, embora com oposição em Milão e Nápoles. França e os seus aliados, incluindo a Escócia, apoiavam Clemente. A cristandade teria dois Papas.

Em 1409 reuniu-se um concilio na cidade italiana de Pisa em que se escolheu um novo Papa sem que se garantisse que o Papa de Roma e o de Avinhão Abdicassem. Por isso, nessa altura existiam formalmente três Papas em simultâneo.

Em 1414 reuniu-se um novo concílio em Constância. O Papa Romano abdicou enquanto o de Avinhão e o de Pisa foram depostos pelo concílio, embora continuassem a defender a sua legitimidade.

Seguiram-se vários outros concílios onde se tentaram eleger novos Papas, alguns em simultâneo, quase sempre motivados por disputas entre os vários reinos, por questões fiscais, mas também por uma crescente necessidade de reformar a igreja que se tinha secularizado e fortemente envolvido nas questões políticas e militares da época. Seria o prenuncio das futuras e definitivas separações cristãs que resultaram dos movimentos reformistas e protestantes no século XV em diante.

Referências Bibliográficas:
  • CUNHA, Mafalda Ferin. O que Foi: Reforma e Contra-Reforma. Lisboa: Quimera: 2002.
  • NICHOLAS, David. A Evolução do Mundo Medieval: Sociedade, Governo e Pensamento na Europa: 312-1500. Lisboa: Públicações Europa-América, 1999.
  • SOLAR, David; VILLALBA, Javier (Dir.). História da Humanidade: Idade Média. Barcelona: Circulo de Leitores: 2007.

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