Lidamos diariamente com a estupidez, pelo menos não temos qualquer problema em, na mais ingénua e despreocupada das análises, classificar e adjetivar comportamentos e ações como sendo estúpidas. Ao enveredarmos por esses ajuizamentos podemos cair, paradoxalmente (ou não), na estupidez. Por mais simples que possa parecer, distinguir entre a estupidez e não estupidez nem sempre é fácil. Pois, nem sempre temos todos os dados, todas as informações e todo o discernimento para tais aventuras cognitivas. As nossas limitações e enviesamentos são muitos, com o pensamento imediato – útil mas por vezes estúpido – a ganhar a melhor perante o sistemático e aprofundado (1) – tendencialmente mais preguiçoso.
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Ego - De Chirico |
Por tudo isso, e por muito mais, o curioso ensaio de Carlo M. Cipolla intitulado de “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana” ganha um particular interesse. Essa obra, tendencialmente bem-humorada, sarcástica, irónica, caustica e crítica tenta simplificar e sistematizar, de um ponto de vista utilitarista, a estupidez humana. Assim, é quase um escrito de intervenção social, conceptual.
Cipolla defende que a estupidez humana é uma caraterística universal, que afeta todos os grupos humanos de igual modo e em igual proporção. O autor dividiu a humanidade, principalmente segundo as ações de influência económico-sociais (privilegiando os efeitos das relações entre indivíduos), em: Ingénuos; Inteligentes; Bandidos; e Estúpidos. Essa divisão é feita através de uma análise custo-benefício, um excelente princípio e ferramenta para quantificar caraterísticas difíceis de quantificar e avaliar.
Passo apenas a citar então, tento em conta as quatro divisões anteriores, a definição que Cipolla dá aos estúpidos (2): “Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas, sem retirar qualquer vantagem para si, podendo até sofrer um prejuízo com isso". Segundo esses mesmos princípios, então os Ingénuos seriam os se prejudicam a si próprios mas trazem ganhos aos outros (2). Os Inteligentes seriam os que trazem ganhos a si e aos outros (2). Por fim, os Bandidos traziam ganhos próprios à custa de prejuízos para os demais (2).
As quatro categorias, aplicando-as a um gráfico de dupla escala ortonormado cartesiano (com um eixo a representar os ganhos próprios e o outro os custos ou danos), definem quatro quadrantes. Assim, de um modo muito simples – talvez até demasiado simples, mas mais que adequado pois trata-se de um ensaio tendencialmente humorístico, não científico e exaustivo -, recorrendo a geometria básica, catalogam-se os comportamentos da humanidade, e seus efeitos. Esta construção e ordenação seria de extrema utilidade caso a estupidez se conseguisse evitar, pois, tal como a define o autor, ser estúpido resulta, de um modo absoluto, na introdução de perdas na Humanidade, vista como um sistema económico-social onde se podem considerar as várias facetas da humanidade.
O livro “Allegro ma non troppo” contém ainda um divertido ensaio sobre a história da Europa, tendo o gosto, consumo e busca pela pimenta como força motriz dos principais acontecimentos. Mas é na segunda parte, no ensaio sobre a estupidez que a obra ganha uma outra vertente. Não se podendo obrigar ninguém a ler ou a apreciar as letras – e ainda bem -, pelo menos pode-se sugerir. Desse modo, recomendo fortemente a leitura deste livro, especialmente porque estes pequenos excertos de “As leis fundamentais da estupidez humana” são apenas partes de um texto muito mais divertido e rico. Estupido será, podendo, não ler… Pois, é imensa a nossa capacidade para ignorar a nossa ignorância (1), ou estupidez… Neste caso (2), ignorar a estupidez, pode ser extremamente danoso, especialmente para os outros!
Referências Bibliográficas
1 –Kahneman, Daniel. “Pensar, Depressa e Devagar”. Temas e Debates, 2012
2 – Cipolla, Carlo M. “Allegro ma non troppo – seguido de as leis fundamentais da estupidez humana”. Edições Textografia, 2008.