sábado, 27 de outubro de 2012

Investir na Bolsa – A Ilusão da Superioridade Individual Perante o Mercado


Por vezes é, mesmo, preciso ler uma ideia escrita para depois essa mesma ideia, desconhecida e encoberta até então, se tornar evidente e clara. Um livro, como haverá muitos mais, onde se divulga um infindável rol de ideias é o “Pensar, Depressa e Devagar”, de Daniel Kahneman, psicólogo vencedor do prémio Nobel da Economia. A obra é um verdadeiro marco – grande em todos os sentidos, pois consta com mais de 500 páginas -, um compêndio de exemplos e explicações sobre economia comportamental, segundo a visão da psicologia social.

Os Amantes - Magritte
Uma das ideias fortes do livro, com vários estudos a demonstraram, defende que, em muitos casos, para situações de incerteza considerável, não há especialista e informação que valha: normalmente a sorte é quem desempenha o principal papel. Esta posição é polémica, mesmo entre a comunidade científica. No fundo, o autor tentar alertar para os constantes enviesamentos e erros de perceção na tomada de decisão, mesmo entre os mais sabedores e experientes, considerando que isso é próprio do modo como funciona o pensamento humano (ou cognições) - podendo ser dividido um conjunto de dois sistemas, um mais imediato e simples (mas potencialmente erróneo), e outro mais aprofundado e moroso (mas altamente consumidor de "energia").
O caso dos investimentos em bolsa é um dos exemplos trazidos pelo autor para demonstrar como, por vezes, os especialistas tomam decisões, supostamente sustentadas, mas com resultados completamente aleatórios, sem o admitirem (sem admitirem enviesamentos). O autor vai mais longe: acaba por, com as suas palavras, nos fazer refletir sobre a própria condição humana. Kahneman leva-nos a refletir e questionar sobre: o que leva os corretores e investidores, tendencialmente em pé de igualdade entre pares, a pensarem que sabem mais que os restantes negociadores em bolsa? Quando alguém vende assume que a ação irá descer, esperando que o comprador pense o contrário; e quem compra assume e segue pelo caminho exatamente oposto, esperando o contrário do vendedor. Entre amadores e curiosos que se aventuram na bolsa seria de esperar que façam erros de investimento, mas o mesmo não será  aceitável para especialistas, pelo menos em condições "normais". Podemos até lembrar um dos princípios da teoria económica clássica, de onde se conjetura que os mercados e os atores económicos são racionais nas suas escolhas – supostamente, é claro. Então não seria racional admitir que, estando nas mesmas condições - de um modo aproximado é claro -, os nossos semelhantes e concorrentes saberiam o mesmo que nós? Não seria essa posição, no mínimo, um sinal de humildade? Supostamente, a eficiência dos mercados levaria que a margem dos preços fosse mínima, pois quem vende falo-ia pelo valor justo e no sentido da compra o mesmo aconteceria. Mas, como comprova Kahneman, as decisões humanas, mesmo as económicos, são, por vezes, muito pouco racionais.
Na sua suposta arrogância intelectual, o filósofo Sócrates só poderia rir  enquanto, hipoteticamente, diria algo do género: só sei que nada seimas saberão eles que sabem muito menos do que pensam, sabendo todos o mesmo, e equilibrando-se enquanto grupo assim?
Sempre fomos condicionados pela nossa soberba, pelos mercados e pelas decisões, e parece que iremos continuar a ser, com ilusões de sabedoria altamente enviesadas. Os resultados estão à mostra, ou talvez não, pois estas palavras podem ser apenas ser mais um enviesamento de perceção e análise.

Referências bibliográficas:
Kahneman, Daniel. "Pensar, Depressa e Devagar". Temas e Debates, 2011.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

"A Vida de Brian (Life of Brian)" - História de um filme Irreverente

A Vida de Brian” é a segunda longa-metragem de cinema dos Monty Python. Depois de sucessos que abalaram e mudaram para sempre o humor, com a série Flying Circus exibida na BBC entre 1969 e 1974 e filme “Monty Python e a Busca pelo Cálice Sagrado” de 1974, os Monty Python arriscaram em cinemas de humor como nunca se tinha visto. Em 1979 ousaram levar a sua irreverência humorística mais uma vez ao cinema, e dessa vez com uma sátira refinada, ainda que tendencialmente absurda e até parva, sobre temas religiosos! Não é que não o tivessem já feito por diversas vezes, nos seus muitos sketchs, mas em “A Vida de Brian” essa seria a razão de ser de todo o filme. Ainda se especula o que os terá levado a entrar em tal arriscada aventura. Há quem diga que a ideia surgiu por acaso, fruto de um desabafo de Eric Idle e Terry Gilliam, que, depois de infindáveis pressões dos Media para que se soubesse qual seria o seu próximo filme, disseram um dos primeiros nomes que lhes veio à cabeça: “Jesus Cristo – A Busca pela Glória (ou, O Deseja de Glória)”. Estranhamente ou não, em 1978, todo o grupo decide fazer umas férias de trabalho nos Barbados, nas caraíbas, e de lá surge a ideia final para um segundo filmes, com Jesus como tema principal.
Excerto de cena polémica do filme, com crucificados cantando

A EMI, que tinha assumido o financiamento do filme quando todas as outras grandes companhias o tinham recusado, depois de ver o guião desistiu também da ideia. O filme era demasiado vanguardista, ousado e arriscado! Por isso, reconhecendo o valor das ideias dos Monty Python, George Harryson – ex-beatle – mobilizou a comunidade artística britânica, formou uma nova produtora – “Hand-Made Films”, e conseguiu assegurar os 4 milhões de dólares necessários para que o filme se fizesse. Foi um exemplo de mobilização e voluntariado, sem precedentes, entre os artistas da época, por um projeto polémico, criativo e inovador.
A estreia do filme caiu como uma bomba! As polémicas foram imensas. Em muitas locais foi apelidado de blasfemo. Deu origem e infindáveis debates e discussões, o que trouxe ainda mais notoriedade à obra. Os Monty Python envolveram.se nos debates e tentaram defender-se das acusações públicas de blasfémia por parte de algumas comunidades e instituições religiosas. Os Python defendiam que a sátira era para com todas as pessoas e acontecimentos que se criaram e formaram em torno da vida de Jesus, e não para com próprio Jesus, seus princípios e filosofia. Para os Python, o filme, acima de tudo, servia para criticar o fanatismo e as visões afuniladas. O filme serviria, através do humor, para “abrir mentes” e defender a liberdade religiosa e de opinião, com respeito pelas liberdades filosóficas e religiosas de todos.
Hoje, “A Vida de Brian” é considerado uma das melhores comédias de sempre, um marco do cinema que contribuiu para o debate sobre a liberdade de crença – seja ela qual for – e do próprio humor. O Filme destacou-se também pelo movimento voluntário de artistas, decididos a contribuir para um projeto artístico e intelectual que acreditavam ser importante e merecedor de ser visto e apreciado por todos. Por fim, é também um hino ao otimismo e de como a atitude positiva perante a vida pode ajudar em qualquer situação!

Fontes:
  • "Os Monty Python - Autobiografio pelos Monty Python". Oficina do Livro. 2007
  • Documentário: "Monty Python: Almost the truth (Lawyer's Cut)"

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Enciclopédia - O Monumento do Iluminismo

A praticamente todas as épocas históricas conseguimos, direta ou indiretamente, associar monumentos, construções humanas ou obras de arte incontornáveis. Algumas dessas criações quase as definem e servem de ícones e marcas desses momentos históricos.
O Iluminismo foi marcante para a sociedade ocidental, e até para o mundo que se foi encurtando e aproximando nos séculos seguintes (especialmente depois da industrialização e do colonialismo). Dessa importante época história o principal monumento, na aceção do termo e sua relação com objeto ou coisa que serviu e serve para recordar na memória coletiva (Choay, 2010), não foi um edifício, conjunto urbano, obra de arte plástica ou afins. O principal, e mais importante, monumento que nos legou o Iluminismo foi a Enciclopédia (Schwanitz, 2012). Ou seja, um objeto. Não de arte, mas de saber!
Experiência de Um Pássaro Numa Bomba de Ar - Joseph Wright of Derby
Nessa época de transição, e que levou em muitos sítios, mas especialmente em França, à revolução, esse livro foi incontornável. Aliás, nesse mesmo e noutros formatos, ainda continua a ser – veja-se a importância das enciclopédias online. Consciente, ou inconscientemente, a Enciclopédia pretendia deter todo o conhecimento da humanidade, de um modo ordenado e de fácil consulta. Seria a “bíblia da ciência” – paradoxos à parte -, acessível e universalista. Para certos autores e pensadores (Schwanitz, 2012) a Enciclopédia tinha, para além disso, como objetivo substituir a própria Bíblia: substituir o obscurantismo da religião de então pela nova ciência, pelo positivismo do novo empirismo que ajudava a desvendar os mistérios do mundo. Vontades de substituição da religião pela ciência à parte, isso não significava, nem de perto nem de longe, que os iluministas fossem ateus. Poucos, ou quase nenhuns, o eram de facto. De um modo geral, não negavam Deus, até porque precisavam de uma entidade para explicar o início e a ordem do universo, a razão de todas as regras e leis que comprovavam e registavam. Os iluministas eram, tendencialmente, deístas (visão de Deus como arquiteto/planeador das regras do universo, mas não como agente interventivo e presente num mundo que se foi desenvolvendo pelas suas próprias regras) em oposição a posição tradicional teísta (Deus como ser que criou e intervém constantemente no universo) da religião instituída.
Hoje, esse grande monumento do Iluminismo persiste. Ficou a herança de ordenar e catalogar o conhecimento. Não se substituiu a bíblia, por várias razões que nem dependem da qualidade enciclopédias que se foram criando. Muito pelo contrário, até parece que a enciclopédia ajudou a criar mais bíblias, pois contribuiu para o banalizar do nome, tornando-o um adjetivo. Nos nossos dias existem enciclopédias e bíblias de tudo e mais alguma coisa, num especificar cada vez maior do conhecimento, sendo o termo “bíblia” aplicado para um livro importante de uma determinada área do saber – há bíblias para tudo e todos os temas, no sentido de ser um livro “quase sagrado”, de tão importante que pode ser no tema em causa.
Para além do contributo científico e cultural que foi a enciclopédia, e para além do universalismo do conhecimento que permitiu, ela demonstrou que não existem livros infalíveis – ou não tivessem as enciclopédias e bíblias erros como todos os outros livros e escritos por mão humana.

Referências Bibliográficas
  • Choay, Françoise. “Alegoria do Património”. Edições 70. Lisboa, 2010.
  • Schwanitz, Dietrich. “Cultura – Tudo o Que é Preciso Saber”. Dom Quixote. Lisboa, 2012.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Uma Estátua a Lúcifer?

Em Madrid, num dos seus mais importantes e monumentais jardins da cidade, existe um monumento em honra de uma figura muito pouco habitual, sendo talvez mesmo o único no mundo. No Jardim do Bom Retiro, perto no coração de Madrid, existe, já muito adentro do próprio jardim, um monumento com uma estátua estranha. Essa estátua em bronze, de finais do século XIX, representa, de um modo dramático, o Anjo Caído, ou seja, Lúcifer. Esta descoberta é de surpreender, ou talvez não. Apesar do forte catolicismo de Espanha, sempre houve rasgos criativos de artistas espanhóis capazes de ir quebrando as normas - basta pensar na história da arte espanhola e os exemplos serão muitos. 
De qualquer dos modos, esta pode ser vista como apenas mais uma manifestação de origem judaico-cristã , semelhante a tantas outras, pois o episódio do Anjo Caído é Bíblico. No entanto, junto à estátua, existe uma marca topográfica altimétrica no pavimento. Ora, essa marca assinala, precisamente, um ponto de cota de 666 metros acima do nível do mar, que em Espanha se regista em Alicante. Como se sabe esse número seria o, igualmente Bíblico, "Número da Besta", o número que assinalaria os seguidores da Besta, Lúcifer ou Satanás antes do Juízo Final. Hoje sabe-se que o número da besta, de acordo com uma tradução mais correta e recentes investigações, é o 616 (ver artigo relacionado), mas, de qualquer dos modos, o significado mantêm-se. 
Será então  este monumento realmente um estátua de honra a Lúcifer?

Anjo Caído no Jardim do Bom Retiro - Fotografia do autor

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