quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Nova vaga de jogos de tabuleiro Modernos – Sinais do pós-modernismo?

Em setembro de 2016 o jornal “The Guardian” [1] anunciou que iria dedicar uma coluna mensal a jogos de tabuleiro. Isto poderá parecer surpreendente e inexplicável ou apenas mais uma tendência/moda passageira.

Bem, não saberemos se será algo efémero, mas tudo aponta no sentido contrário. Então vejamos alguns dados. No EUA as vendas subiram entre 25 a 40% desde 2010.  Se em 1991 se estimava que a indústria representava 1.2 biliões de dólares, em 2013 somente o mercado alemão rondava os 375 milhões de euros. Em 2015, só nos EUA, representava 900 milhões de dólares [2;3]. Estamos a falar de números muito consideráveis, especialmente porque apresentem taxas de crescimento impossíveis de ignorar.
Batoteiro com o Ás de Ouros - Georges de La Tour

 Atualmente a Alemanha é o mercado com maior taxa de vendas por pessoa, tal como o berço do “Eurogame”. Este tipo de jogo, cujo exemplar mais conhecido internacionalmente é o “Setlers of Catan” [4], distingue-se pela redução do conflito entre jogadores, pela valorização da estratégia e da eficiência. Este estilo opõe-se aos jogos de inspiração americana, denominados de “Ameritrash”, mais conflituosos, aleatórios e alicerçados numa narrativa, do tipo “role play” altamente interativa [5]. Entre os dois estilos principais, se é que é correcto usarmos estas definições de modo absoluto, existem muitos híbridos e outros que dificilmente conseguimos caracterizar, pois os jogos de tabuleiro modernos podem assumir muitas formas e recorrer a muitas mecânicas, materiais e conceptuais. Para além da gestão estratégica competitiva, existem jogos cooperativos, de destreza, memória, teste de sorte, narração, simulação de aventuras, dedução e até os mais físicos. Depois existem outros que misturam tudo. Ao nível do formato podem ser de cartas, dados, peças móveis, em plástico, madeira, papel ou misturando tudo com adereços originais. Podem ser enormes ou caber no bolso, necessitar de escrever bastante ou até recorrer a uma aplicação de telemóvel. Podem demorar 5 minutos ou horas a fio a jogar. Também há jogos para todas as idades, jogados preferencialmente por determinadas faixas etárias ou misturando todas as pessoas.

Os temas dos jogos são inesgotáveis: economia, agricultura, política, história, geografia, aventura, fantasia, exploração, natureza, situações absurdas e divertidas, recriação de livros, filmes ou séries famosos, ou então sem tema, completamente abstratos. Talvez o melhor local para perceber a escala do que refiro é o sítio da internet https://boardgamegeek.com/ que desde 2000 acumula preciosa informação sobre o mundo dos jogos de tabuleiro.

Então e por que raio centenas de milhares de pessoas se deslocam a convenções de jogos de tabuleiro,um pouco por todo o mundo, mas especialmente na Alemanha e nos EUA? Porque se gastam milhões de dólares e euros na compra dos milhares de títulos de jogos lançados anualmente? Porque existem tantos blogues, sítios da internet e youtubers a tratar o tema? Porque abrem “boardgame cafés”, experiências de férias, pousadas e eventos de turismo, grupos e clubes de jogadores de jogos de tabuleiro por todo o lado, incluindo Portugal?

Não deveria a era digital ter destruído os jogos de tabuleiro?

De forma imprevisível aconteceu exactamente o contrário. A Internet permitiu aproximar e divulgar a comunidade de jogadores de jogos de tabuleiro, fomentando a troca de informação, em todos os formatos, à distância. Veio facilitar a organização dos eventos presenciais e a divulgação dos jogos. As novas tecnologias são também potentes ferramentas de apoio ao desenvolvimento dos jogos, que se tornam cada vez mais apelativos e diversificados. O networking tem valido a jogadores e designers, mas também se tornou mais fácil produzir e comprar à distância, para depois jogar presencialmente.

É na dimensão presencial que os jogos de tabuleiro vão ganhando pontos à concorrência. O consumo massificado de dispositivos digitais, tanto em contexto profissional como em lazer, tem levado grupos crescentes de pessoas a procurar alternativas, desligando a ficha e os ecrãs. A conjugação da procura pelo convívio presencial, longe desses dispositivos digitais, com a melhoria da qualidade e oferta dos jogos de tabuleiro criaram as condições perfeitas para estarem cada vez mais pessoas nestas reinventadas mesas de convívio.

A tudo isto se soma o potencial de desenvolvimento cognitivo e de sustentabilidade ambiental. Estes jogos são excelentes para aprender e desenvolver competências de forma indirecta, através de momentos de convívio e lazer. A aplicabilidade em contexto educativo e formativo é imensurável, tal como em ferramentas de intervenção social e fortalecimento da sociabilidade entre famílias, grupos e comunidades.
Nem se falou da riqueza da interação social que permitem este tipo de jogos. Imensas experiências sociaias e psicológicas podem ser feitas através destes jogos. Mesmo para um leigo, uma experiência de jogo é sempre uma oportunidade para conhecer e explorar o comportamento humano, mesmo que de forma indireta e não sistematizada. São muitas as referências pela Internet de que Platão tenha dito: "Podemos descobrir mais sobre uma pessoa numa hora de jogo do que num ano inteiro de conversação". Não existe qualquer referência para afirmarmos que o famoso filósofo tenha dito tal coisa, até porque é contraditória à dialética que defendia, no entanto a frase dá que pensar e quem já experimentou vários jogos sabe que existe alguma verdade nisto [6].
Se invocarmos a "Teoria dos Jogos" [7] então os jogos de tabuleiro passam para um outro nível de compelxidade e utilidade, mas o artigo já vai longo.

Por tudo isto, parece-me que os jogos de tabuleiro modernos estão para ficar, pois têm-se adaptado e fomentado experiencias valiosas na era do domínio digital à distância. Aqui está um fruto dos nossos tempos, quem sabe um ato materializado colectivo do nosso pós-modernismo intrínseco, por vezes inconsciente.

Nota: No blogue www.jogosnotabuleiro.blogspot.com podem encontrar textos de opinião, curiosidades e reviews sobre jogos de tabuleiro, sendo o autor aqui de "A Busca pela Sabedoria" coautor também desse espaço.

Algumas referências e fontes
[1] - https://www.theguardian.com/lifeandstyle/board-games
[2] - https://en.wikipedia.org/wiki/Board_game#cite_note-32
[3] - https://infogr.am/board_game_statistics
[4] - http://archive.wired.com/gaming/gamingreviews/magazine/17-04/mf_settlers?currentPage=all
[5] - https://boardgamegeek.com/thread/780739/best-definitions-ever-eurogame-ameritrash-and-warg
[6] - http://www.mesacc.edu/~davpy35701/text/plato-things-not-said.html
[7] - https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_dos_jogos

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O fim da Moralidade e o início da Idade Moderna

Determinados marcos históricos, mais ou menos dilatados no tempo, são recorrentemente utilizados para definir as grandes eras ou idades históricas. Assumem-se eventos, movimentos e mudanças várias para fazer essas divisões. Algumas são imensamente difíceis de fazer, se não todas mesmo, pois acabam por ser delimitações artificiais do tempo, que é composto por acontecimento interrelacionados não lineares. Como ler continuidades, parcelarmente, é muito mais fácil, dificilmente podemos escapar a estas metodologias.
Soutine - Carcaça de Carne

O início da Idade Moderna pode definir-se de forma diferente consoante a temática histórica que se esteja a analisar. O mais comum é ditar o fim da Idade Média com a queda de Constantinopla, em 1453. Mas, por exemplo, para a filosofia a divisão pode ser diferente. Roger Scruton refere-se a Descartes como o paladino do pensamento racionalista, abrindo assim o pensamento filosófico à modernidade, já em pleno século XVII.

Mas do ponto de vista político podemos dizer que a visão moderna terá surgido com Maquiavel e Hobbes. Apesar da diferença de décadas entre ambos, referem-se à natureza humana, modo de governo e organização política segundo novos princípios. No início do século XVI Maquiavel justifica no seu tratado “Príncipe” que todos os meios são legítimos para atingir determinados fins políticos, ignorando entraves morais, desde que não se ultrapasse o ódio à governação. A eficiência e sucesso governativo destes princípios deitavam fora toda a herança moral religiosa e filosófica. Curiosamente há quem considere que Maquiavel estava apenas a ser irónico.
 
Já Hobbes, no século XVII na sua obra “O Leviatã”, refere-se à natureza humana como egoísta e autodestrutiva, pelo que se justificava a imposição de um poder supremo. Ou seja, a humanidade é despida de visões idílicas e deve ser submetida para que se consiga alguma forma de estabilidade e convivência, mesmo que usando de força e violência quando necessário. De notar que Hobbes viveu num dos períodos mais conturbado da história de Inglaterra, de guerra civil, violência e intolerância.

Mais tarde Rousseau, ainda que divergindo no método e premissas, segue quase pelo mesmo caminho de Hobbes, reforçando a necessidade do contrato social. Contrato esse que surgia da necessidade de contrariar a degradação e corrupção natural das sociedades mais desenvolvidas. Para Rousseau o homem era puro e bom no seu estado natural – a teoria do bom selvagem. A única alternativa para o bom governo das sociedades modernas seria instituir um “contrato social” entre membros da comunidade e sistema de governo, pois a moral não era suficiente para garantir a coexistência. Rousseau foi já um dos percursores do iluminismo, onde as luzes da razão se espalhavam pelos círculos das elites.

Pode não parecer, mas estas mudanças foram revolucionárias. Desaparecem as noções de moralidade e ética inatas à humanidade, capazes de construir um éden na terra. O conceito de influência ou influências divinas é também descartado. Revoluciona-se e aplicação um novo racionalismo social e político. Hoje chamamos-lhe pensamento (ou filosofia) político e social da Idade Moderna. Mas terá sido mesmo o principio do fim da moralidade e ética política?

Referências bibliográficas:
ROBINSON, Dave & GROVES, Judy – Introducing Philhosophy – A Graphic Guide. Londom: Icon Books, 2007.
SCRUTON, Roger – Breve história da filosofia moderna. Lisboa: Guerra & Paz, 2010.
SOLAR, David & VILLALBA, Javier (dir.) – História Universal. 10 Volumes. Amadora: Círculo de Leitores: 2007.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Como a erva mudou a humanidade

Tendemos a minimizar a importância da erva, parece uma coisa comum, sendo por vezes até incómodo quando se trata de ervas daninhas. Mas as ervas, ou mais correctamente as gramíneas, foram muito importante para a evolução e história da humanidade. Podemos mesmo dizer que sem ervas não haveria humanidade como a conhecemos hoje.
 
Campo de Trigo - Silva Porto
Há cerca de 2.5 milhões as grandes planícies dominadas por espécies de gramíneas, ou seja, de ervas, começaram a ocupar áreas consideráveis do globo. Terá sido por essa altura que surgiu a espécie “Homo” e daí em diante todas as suas ramificações. As novas paisagem, dominadas pelas novas espécies vegetais, obrigaram a adaptações das restantes espécies animais. Para os “homos”, nossos antepassados, surgiu a necessidade de deslocação sobre duas pernas, garantindo segurança e visão acima das “ervas”.

Curiosamente, milhões de anos mais tarde, os atuais humanos, homo sapiens sapiens, por volta de 10.000 A.P., desenvolveram a agricultura. Cultivaram novamente gramíneas: trigo, centeio, aveia, etc. Foi a agricultura que permitiu desenvolver civilizações, as grandes cidades, a escrita, a organização política e a complexidade da organização social, dos cultos e do conhecimento.

Será também das estepes, das grandes pradarias euroasiáticas, que surgiram hordas de povos nómadas que destruíram, conquistaram e se fundiram com as civilizações, criando ciclos de ascensão e declínio ao longo da história, especialmente no Norte de África, Médio Oriente, Oriente e Europa. Estes povos são repetidamente registados, ao longo da história, pelas civilizações que com eles lidaram com vários nomes. Os registos arqueológicos comprovam estas mudanças, invasões, assimilações e adaptações. Talvez os mais conhecidos sejam os Hunos e os Mongóis, mas centenas de anos antes, e não milénios, há registos de grandes distúrbios também causados por povos invasores sobre as civilizações estabelecidas, especialmente a partir do advento da domesticação do cavalo.

Mais tarde, já depois da Idade Média, aquando da colonização dos continentes americanos, as “ervas” entram novamente em cena, contribuindo para o comércio triangular atlântico que iria moldar a história das américas e o comércio mundial. Os europeus criaram o comércio triangular entre Africa, Améria e Europa, sendo que a produção de cana-de-açúcar levada para as américas e produzida com mão-de-obra escrava africana foi essencial nesse processo. Hoje o açucar tem uma importância incontornável na nossa civilização, isto para não dizer que somos viciados em açúcar.

Assim, tendo aqui ignorado imensos casos e influências, pois daria um texto imensamente logo e moroso, fica um breve registo de como as “ervas” nos influenciaram e continuam a influenciar.

Algumas referências bibliográficas:
  • AMARAL, Ferreira do – Os filhos de Caim e Portugal: povos e migrações no II milénio a. C. Lisboa: Quetzal, 2003.
  • KEEGAN, John – Uma história da Guerra. Lisboa: Tinta da China: 2006.
  • SOLAR, David & VILLALBA, Javier (dir) – História Universal. 10 volumes. Amadora: Círculo de Leitores: 2007.
 

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O Marketing Territorial é diferente do Marketing Empresarial ou Institucional

O Marketing territorial tem vindo a crescer enquanto subdomínio do marketing, sendo utilizado na gestão de territórios. Mas este tipo de marketing difere do marketing empresarial ou institucional. Os territórios, pelas suas características, são muito diferentes das empresas e instituições,  exigindo abordagens diferentes.
 
As grandes banhistas - Cezanne

Se numa empresa pode facilmente existir uma estratégia bem definida, assumida por uma liderança forte, com capacidade de decisão e operacionalização em todos os domínios da empresa, nos territórios tal é praticamente impossível de acontecer. Os territórios são sistemas iterativos complexos, de múltiplos atores e recursos, onde uma determinada liderança tem cariz político democrático. Aas próprias empresas e isntituições são atores importantes dos territórios.

 A gestão dos territórios está muito mais condicionada do que a gestão de uma empresa, pois, no segundo caso, não existe obrigação do estabelecimento de modelos democráticos. Apesar de tudo, nas sociedades que vivem em regimes democráticos, empresas, famílias e órgãos colegiais de especialistas técnicos, a título de exemplo, tendem a ser pouco democráticos nas suas práticas e organização perante o peso da propriedade, da tradição e do conhecimento.

Para as empresas será possível criar missões e culturas comuns. Mas nos territórios existem vários atores com diferentes interesses, por vezes contraditórios. Sobre os territórios podem coexistir várias culturas e subculturas, com os seus múltiplos interesses e valores, mesmo nas zonas menos cosmopolitas. É necessário um esforço adicional, respeitador da cidadania e igualdade de diretos, para além dos requisitos legais exigidos às empresas quando se gere um território.

Os territórios podem ser muito variados e heterogéneos, dificultando a identificação dos recursos e produtos a potenciar. Sempre que se pretende seguir uma determinada estratégia é necessário o envolvimento e aceitação da população para determinado objectivo de desenvolvimento territorial. Para além dos indivíduos, existem sobre os territórios outras entidades colectivas, capazes de mobilização e influência. Estas entidades podem ser também muito diversas: políticas; cívicas; técnicas; etc.

O facto dos territórios serem geridos pelo poder político, tendo em conta que este assenta num modelo democrático, surgem fortes probabilidades de mudanças imprevissíveis nas lideranças territoriais, inviabilizando a implementação de estratégias e planeamento a longo prazo.

Assim, os processos de marketing territorial, com o objectivo de potenciar o desenvolvimento de determinados territórios, independentemente da área de actividade ou objectivo final definido, têm sempre de nascer de processos inclusivos de cidadania, assentes em sólidas práticas democráticas. Caso contrário será impossível definir uma estratégia de atuação sólida e muito menos aplica-la a médio e longo prazo.

 
Referências bibliográficas:
 
FIGUEIRA, Ana Paula - Marketing territorial - uma nova dimensão do marketing. Estarreja, Mel Editores, 2011.
 
GINSBORG, Paul - A democracia que não há - que fazer para proteger o bem político mais precioso de todos os tempos. Lisboa: Editorial Teorema, 2008.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Depois de Hitler (After Hitler) - um documentário sobre o lado negro do pós-guerra

No documentário "After Hitler" de David Korn-Brzoza e Olivier Wieviorka, de 2016, recuperam-se imagens e registos pouco conhecidos do pós 2.ª Guerra Mundial. É muito comum, quando se estuda a história do século XX ignorar o modo como se reorganizou a europa e se deu a "desnazificação". Habitualmente, até nos livros de história do ensino secundário para os alunos de humanaidades, a sequência é direta. Depois da Guerra Mundial, numa descrição genralista e pouco pormenorizada das desnazificação, surgem as tensões entre aliados e soviéticos, manifestadas por discursos de Churchill, Estaline e Truman que, depois levariam à Guerra Fria.
 
Fonte da imagem: https://www.zed.fr/en/tv/distribution/catalogue/programme/after-hitler
Mas existe um período negro que parece querer ser escondido, talvez por ser incómodo para os vencedores aliados. Com a derrota alemã a europa ficou profundamente desorganizada. Respondeu-se com violência às violências da guerra. Judeus continuaram a morrer nos campos de concentração, enquanto outros continuavam a ser chassinados por populações claramente instrumentadas por ódios antigos e antisemitismo, mesmo do lado "aliado". Deu-se uma caça às bruxas com execuções sumárias e populares dos antigos colaboracionistas nazis. Comunidades germânicas em paises do centro da europa, que residiam nesses territórios há séculos, foram expulsas e massacradas. Muitos alemães comuns e seus descendentes foram executados em grupo, à semelhança do que faziam os nazis na suas limpezas etnicas. Foi permitida a escravatura da população alemã por parte dos aliados como modo de castigo e recuperação dos destroços de guerra causados. Deu-se um exodo massivo na europa com milhões depessoas em movimento em todos os sentidos, pois as delimitações feiteiriças nunca tinha sido capazes de delimitar e definir no território a diversidade das comunidades etnicas e nacionais Mesmo entre os aliados deram-se violências e exenofobias várias.
 
A guerra fria haveria de transformar os inimigos em aliados e os aliados em inimigos. Tudo mudou rapidamente e a memória do passado parecia ser apagada ou relembrada sempre com violência.
 
"After Hitler" é um daqueles documentários importantes para conhecer a história recente da Europa e refletir sobre o seu futuro.
 
 


 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Morte Negra - Um filme de ação credível sobre a Idade Média

Morte Negra pode parecer, à primeira vista, um filme de terror. É assustador, não por ser feito para esse fim, mas porque retrata uma época da história da europa hoje inimaginável.  Este filme de Christopher Smith conta com um elenco de atores bastante conhecidos e reconhecidos pela qualidade das suas performances em filmes de época. Sean Bean, Eddie Redmayne, Tim McInnemy, Carice Van Houten entre outros. As interpretações não dececionam, contribuindo para a credibilidade e realismo próprio do filme.
 

É essa credibilidade que eleva este filme acima de tantos outros filmes de acção de cariz histórico. Trata-se de uma história inserida no contexto das grandes pestes que assolaram a europa durante o século XIV, época conhecida como o período da Peste Negra. Não se pense que é um documentário. Obviamente tem as suas falhas, mas comparado com outros filmes este tem mais interesse do ponto de vista histórico.

O mais difícil de recriar nos filmes ditos históricos são as mentalidades, pois tendemos a representar épocas passadas segundo os nossos valores e princípios contemporâneos. Nota-se uma preocupação neste filme, apesar de ser direcionado a um público generalista, para com a profundidade das personagens e para o enquadramento histórico geral. As personagens são complexas, atormentadas, fruto da época em que vivem. A obra não escapa a alguns clichés, mas enriquece os espectadores com pormenores que não dececionam um publico mais exigente quanto aos conteúdos.

Sem desvendar o enredo seguem-se alguns exemplos. O guarda-roupa está bem conseguido, com distinção nas roupas e armamento entre as ordens sociais e hierarquias. O cavaleiro representante do bispo tem espada e uma armadura coerente, enquanto os restantes mercenários recorrem a armamento variado, usado e de menor qualidade.  Há alguma coerência na organização da aldeia descrita. O facto de existirem territórios pouco desconhecidos, quase bravios, que escapam ao poder feudal e eclesiástico é também verossímil. Na idade média o poder laico e eclesiástico tinha deveras dificuldades em controlar determinados territórios, tanto pela falta de meios e limitações técnicas, como pela própria organização em que se fundava.

A razão pela qual o filme tem passado quase despercebido e ter recebido algumas avaliações pouco positivas pode estar relacionado com o seu realismo. Morte Negra mostra o lado negro do cristianismo, da igreja e do radicalismo religioso medieval. Aborda a credulidade humana e regista episódios assustadores, próprios de uma época violenta onde a religião e a superstição amplificaram a crise de saúde pública provocada pelas pestes.
Provavelmente o título poderá ter contribuído para alguma confusão nos públicos para os quais o filme foi pensado. Não se trata de um filme de terror. Sendo um filme de ação não tem a sequência de ação por vezes apreciada. O fim pode ser surpreendente. Tal como o público que goste de uma recriação mais soída seja também afastado pelo título e pelo modo "hollywoodesco" com que o filme é apresentado.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Castro de Monte Mozinho – O génio da adaptação romana à geografia física e humana

Existe um tesouro arqueológico em Penafiel herdado da ocupação romana do território português. Este e outras preciosidades arqueológicas e da história nacional tiveram direito a destaque na série de documentários “Escrito na Pedra”, da autoria de Júlia Fernandes e recentemente exibidos na RTP2. Trata-se do castro de Monte Mozinho.

Fonte da imagem: http://www.cm-penafiel.pt/

Os vestígios desta povoação são particularmente curiosos. Uma vista aérea poderá levar os mais imaginativos aficionados da ficção científica a identificar o desenho de uma nave espacial – houve que dissesse que parecia o Millenium Falcon da saga Star Wars. Mas o sítio é especialmente curioso por ser um castro construído por romanos.

Os castros eram as povoações fortificadas de origem antiga, reconhecíveis nos povoados celtiberos da península, associados à Idade do Ferro. Constituíam-se em locais elevados, aglomerando casas de planta circular e telhados de colmo, defendidas por muralhas simples. Ou seja, com a romanização este tipo de ocupação foi sendo abandonada e a população indígena começou a adotar o modelo urbano romano, de planeamento em malha quadrangular, a ortogonalidade do cardo-decumanos, centralidade do fórum, praças e outros edifícios públicos. Importantes foram também as vilas - edificações centralizadoras que organizavam latifúndios e áreas de exploração do território rural, semelhantes a quintas de grandes dimensão e que poderiam ser imensamente ricas e autossuficientes.

Mas o Castro de Montezinho foi construído pelos romanos no século I. d.C., sendo ocupado até ao século V da nossa era. Não se trata da romanização de uma povoação mais antiga. Tudo indica, tal como salienta o documentário, que os romanos terão adotado este design de castro para atrair para aquele novo povoado a mão-de-obra indígena, pois pretendiam explorar o território da envolvente, rico em minérios. Não sendo de descurar o valor estratégico de domínio do território.

Assim, este castro é urbanisticamente híbrido. É singular, para além de proporcionar uma experiencia de visita única pela riqueza dos achados arqueológicos e vestígios dos edifícios descobertos e expostos para contemplação. Tudo indica que se trata de mais uma manifestação do génio de gestão e organização territorial dos romanos, sempre capazes de se adaptarem à geografia física e humana dos territórios que dominaram, tentando tirar deles o melhor partido.

domingo, 4 de setembro de 2016

A ilusão da aceleração e os benefícios da demora - Um ensaio filosóficos de Byung-Chul Han

Byung-Chul Han parece um nome estranho para um filósofo da escola alemã especialista em Heidegger. Independentemente disso o autor germano-koreano tem lançado algumas obras interessantes, de leitura mais leve, mas sem serem simplistas, sobre temas da filosofia contemporânea próximos do cidadão comum, minimamente informado.
Ophelia - John Everett Millais
No seu livro "Aroma do Tempo - um ensaio filosófico sobre a arte da demora" Byung-Chul Han fala efetivamente do nosso tempo, do modo como a vida contemporânea parece ser mais acelerada, um frenesim mesmo. Mas o autor tem uma visão alternativa. Para ele o tempo não acelerou. Simplesmente removemos barreiras que nos ajudavam a estabelecer etapas e limites naturais. Hoje tudo parece acontecer num contínuo e em sobreposição, simplesmente porque não há o tempo de pausa que contribua para definição etapas e momentos de vida, aquilo que nos que nos ajudaria a situar e localizar num percurso finito, do qual queremos tirar maior e melhor partido.

Byung-Chul Han  refere-se constantemente ao termo "atomização" do tempo, uma contínua dispersão sem momentos diferentes, o que parece uma crítica e comparação do modo de vida contemporâneo aos princípios do sistema de produção fordista/taylorista, da produção em massa e numa linha de montagem com processo ininterruptos e repetitivos.
Esta perda de referências temporais torna-nos impreparados para lidar a realidade da vida e a inevitabilidade da morte. Se com a estruturação balizar das fases de vida nos preparávamos para a morte, agora parece faltar o apoio  natural e graduação perante um caminho que tem sempre um fim, mas que não tem de ser uma correria contínua. Talvez seja aqui que Byung-Chul Han se aproxima de Heidegger, que se dedicou, direta e indiretamente, à morte.
Isto pode parecer um bocado vago. Tentemos materializar com exemplos. Quando começa a adolescência e a idade adulta hoje em dia? Até quando somos jovens? Um idoso, o que o define, especialmente quando se diz que a idade é um estado mental? Existe ainda uma idade para estudar, trabalhar ou constituir família? E quanto tempo passa entre todas estas etapas?
Todas estas questões levantam imensas dúvidas e ainda mais questões. As respostas são imensas. Dificilmente se chegará a um consenso ou às respostas certas tendo em conta o nosso atual modo de vida e organização social, tendo em conta que vivemos em sociedades pós-modernistas. Talvez essa dificuldade se prenda no fundo com o que Byung-Chul Han pretende alertar: perante a ânsia de acelerar o tempo e não investir na adequada demorara que ajudaria a definir as várias etapas de vida e uma preparação para a morte, parecemos viver de modo acelerado longas vidas sem que efetivamente tivéssemos aproveitado o tempo finito que dispomos, pois parece que nunca paramos para saborear cada etapa.
Apesar do arriscar interpretativo, fica a referência e a contribuição para dar a conhecer este autor e assim refletir sobre o modo acelerado como vivemos. Apesar dessa vontade de aproveitar o tempo ao máximo muito provavelmente até podemos fazer menos, pior e nem sequer ser mais felizes com o tempo que dispomos.


Referências bibliográficas:
Han, Byung-chul. "O Aroma do Tempo - um ensaio filosófico sobre a arte da demora". Lisboa: Relógio d'Água, 2016

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Retrospectiva de 7 anos de Blogue: Os 10 textos mais vistos de sempre

Parece que foi ontem mas este blogue fez 7 anos de existência. Começou por ser um escape, forma de partilhar curiosidades e conhecimentos vários com que o autor se ia deparando no dia-a-dia. Assim continuou nos dias que ia dando jeito, pois tudo isto é profundamente amador - nota-se é claro.

Número  - Jackson Pollock

Para não deixar o momento sem registo fica então aqui a indicação dos 10 textos mais vistos do blogue ao longo destes 7 anos de existência:

N.º 10 com 2.013 visualizações - Porque se chama Invicta à cidade do Porto?
N.º  9 com  2.073 visualizações - História, qual o significado e importância?
N.º  8 com  3.493 visualizações - Filme: "Planeta dos Macacos: a origem"
N.º  7 com  5.160 visualizações - País ou Estado mais pequeno do mundo?
N.º  6 com  6.485 visualizações - O Significado da palavra Matemática
N.º  5 com  7.063 visualizações - O que é um Loby, ou em Português Lóbi?
N.º  4 com  7.101 visualizações - Significado e origem da palavra F.U.C.K.
N.º  3 com  8.130 visualizações - Orgasmo masculino sem ejaculação - uma lição de Quintino Aires
N.º  2 com  9.465 visualizações - Filme “Sem tempo” – onde literalmente o tempo é dinheiro
N.º  1 com 26.142 visualizações -  Nike - uma Deusa Grega que deu origem a uma famosa marca

Não serão seguramente os melhores 10 textos, mas, por motivos vários, foram estes os escritos que despertaram mais curiosidade nos leitores do blogue. Denota-se uma grande variedade no tipo de textos anteriormente referidos, desde coisas mais leves e quase circunstância até assuntos mais pesados, passando também pelo cinema.
Por este blogue se continuará com variedade temática, tentando assim continuar a trabalhar para um espaço que se quer de busca pelo conhecimento, nas suas várias formas possíveis - pelo menos naquelas que o autor for capaz de apreender -, divulgando sempre que possível obras de arte.
Muito obrigado a todas e a todos que nestes 7 anos visitaram o blogue.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Quem inventou os camuflados de guerra?

Supostamente foram os pintores cubistas que inventaram as pinturas de camuflados modernas, isto segundo o documentário "As Aventuras da Arte Moderna", no original "Les aventuriers de l'art moderne", da autoria de Amélie Harrault, Pauline Gaillard, Valérie Loiseleux  .  
 
Parque de Carrières-Saint-Denis - Georges Braque
 
Segundo a anterior fonte, durante uma das muitas batalhas da Primeira Guerra Mundial um telefonista francês recebeu instruções para transmitir a ordem de fogo à artilharia. Mal o canhão disparou foi atingido pelo inimigo e explodiu. O telefonista questiona-se: "Porque não proteger os homens com uma camuflagem que imitasse as formas e cores da natureza?"
 
O telefonista era o pintor  Lucien-Victor Guirand de Scévola , que de imediato transmitiu a ideia ao Estado-Maior francês. Em fevereiro de 1915 o Ministério da Guerra francês aceitou criar uma equipa sob sua direção. Scévola recorreu aos cubistas por serem capazes, com se tinha provado nas suas criações revolucionárias, de representar um ou mais objetos na sua íntegra, em todas as suas perspetivas, e não apenas sobre o ponto de vista do observador. Assim, supostamente, os cubistas inventaram as primeiras pinturas de camuflagens tais como as conhecemos hoje.
 
Pintores e escultores desenharam a aguarela também cenários falsos atrás das linhas. Pintam folhagens em tons naturais nos capacetes. Pintaram, esculpiram e construíram cadáveres, cavalos, fardos de palha, veículos, homens, ruinas e tudo o mais que pudesse contribuir para iludir o inimigo e ocultar os verdadeiros planos e estratégias de guerra. O famoso pinto Georges Braque, coinventor do cubismo juntamente com Picasso, terá participado ativamente nesses projetos.
 
Curiosamente os cubistas terão sido criticados por pelos academistas pela suas bizarras criações, mas acabaram por criar, indiretamente, ainda que pudesse ser pouco evidente para o não especialista, uma solução prática que ainda hoje as forças armadas não dispensam.
 
 

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Avaliar economicamente, culturalmente e socialmente o património cultural edifícado

Avaliar o património cultural construído, que é como quem diz edifícios antigos, é extremamente difícil, especialmente porque o seus valor cultural e social é muito difícil de contabilizar e porque existem  muitos diferentes tipos e variedades de edifícios. Será muito difícil converter em valor monetário o valor de todas as suas possíveis dimensões. Podemos fazer escalas, sistemas de comparação, avaliação qualitativa que depois convertemos em dinheiro. Existem várias possibilidades.
 
O Coliseu de Roma - Hubert Robert
 
Nathaniel Lichfield propõe alguns modelos. Num deles avalia, isoladamente, do ponto de vista económico, social e cultural quatro opções de intervenção concretas para um imóvel hipotético.  Considera como opções: Fazer o Mínimo (FM); Reabilitar (RH); Restaurar (RT) e Demolir/Reconstruir (DR).
 
Fazer o mínimo consiste apenas na manutenção mínima para que o imóvel continue a ser utilizado até chegar ao limite da sua obsolescência sem intervenções de fundo.
Reabilitar consiste em manter partes significativas do imóvel, reparando, adaptando e remodelando para novos usos e fins, reduzindo a obsolescência para zero.
Restaurar implica recuperar e manter o imóvel nas suas condições originais, com nível de obsolescência igual ou perto de zero.
Demolir e reconstruir passa por remover todas as existências e aproveitar o terreno para fazer novas edificações no seu máximo de aproveitamento construtivo.
 
  • Do ponto de vista patrimonial cultural tem mais valor, por ordem decrescente: RT; RH; FM e DR.
  • Do ponto de vista económico tem mais valor, por ordem decrescente: DR; RH; FM e RT.
  • Do ponto de vista social tem mais valor, por ordem decrescente: RH, RT, DR e FM.
 
Isto será uma análise para um caso hipotético apenas para servir de guia de orientação, pois em determinados casos o património arquitetónico pode fazer disparar o valor económico quando bem reabilitado ou restaurado, tal como um edifício em que se intervém o mínimo poder ter mais vantagens sociais, dependendo de quem o utiliza ou com quem se relaciona. Outro aspeto que pode gerar alguma surpresa é a maior importância social que tem a reabilitação do que o restauro. Tal deve-se à possibilidade dos novos usos que o imóvel pode comportar depois de uma reabilitação, ainda que aqui parece ser ignorado o valor social de reforço das identidades no caso do restauro de um edifício marcante sem o alterar de alguma forma.
 
No fundo ajuda a justificar porque se deve optar pela reabilitação urbana, pois é a opção que mais alto se situa nas várias avaliações de valores setoriais. Mas a reabilitação, como sabemos, pode ter custos que a tornam incomportável e ou menos vantajosa economicamente, sendo que apesar destas avaliações a torarem a melhor opção é quase sempre necessário algum tipo de apoio financeiro para que possa ser mais competitiva no mercado imobiliário.
 
Lichfiel escreveu  "Economics in urban conservation" uma obra incontornável para quem pretende estudar reabilitação urbana e não ignorar a dimensão económica, pois é uma das raras obras que se foca na economia da reabilitação urbana - um tema que urbanistas, arquitetos, estudiosos do património e outros interessados no património edificado e cultural tendem a evitar.
 
Referências bibliográficas:
Lichfield, Nathaniel. Economics in urban conservation. Cambridge/new York: Cambridge University Press, 1988.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Uma paródia à história da Arte Ocidental - Video Clip "70 Milion" dos "Hold Your Horses!"

Em 2010 os "Hold you Hourses!" criaram, durantes dois fins de semana, muna garagem em Paris, uma obra-prima sobre obras primas da pintura mundial. No vídeo clip "70 Milion" a banda franco-americana produziu uma sequência de imagens que comprovam a imaginação e o gosto pela arte. Fica a partilha desta musica e vídeo que é uma divertida paródia, feita com pouquíssimos recursos, sobre a história da arte ocidental. Para os amantes de arte é impossível não rir, para os outros, bem... é impossível não ficarem curiosos.





segunda-feira, 6 de junho de 2016

Decrescimento económico - Uma proposta revolucionária

Vamos falar em decrescimento, esse assunto polémico. Não se trata de dietas mas de economia, modelos de sociedade, valores e estilos de vida. Serge Latouche no seu “Um pequeno tratado do decrescimento sereno” parece querer abalar toda a nossa existência.
Ambiente Espacial - Lúcio Fontana

Quando a economia de um país não está a crescer o dito país entra em crise. Mesmo se crescer abaixo de um determinado nível a crise pode ser inevitável. Mas como podemos continuar infinitamente a crescer, sendo que estes crescimentos acumulados geram evoluções exponenciais pois crescemos sempre relativamente ao acumulado anterior? Os recursos do planeta não são ilimitados. Se o planeta é finito como pode ser infinito o crescimento? Ainda que a tecnologia consiga tirar melhor partido dos recursos naturais, até aproveitando o que outrora era desperdício ou resíduo, haverá sempre limites materiais.

Latouche, no seu ensaio, quer preparar-nos para aquilo que considera inevitável. Vamos ter de decrescer, inverter todo este sistema de valores e organização social e económica. Se neste momento já se consome em média o equivalente a mais de uma terra, isto considerando uma pegada ecológica média, como poderemos manter este nível no futuro? O autor recusa o desenvolvimento sustentável, pelo simples facto de que manter os níveis de desenvolvimento não será sustentável de todo ao ser inviável continuar a consumir mais do que o planeta pode produzir sem perdas irreversíveis.

Imagine-se então como seria uma sociedade do decrescimento. Teríamos de consumir menos, evitar os atuais os reduzidos ciclos de obsolescência. Teríamos de produzir localmente para consumir localmente, tendo em conta as colheitas de época. Teríamos de impor restrições aos mercados impedindo que fossem apenas regulados pela lei da oferta e procura com base num sistema de livre circulação de capitais. Reduzir o número de horas trabalhadas, a intensidade e velocidade do que fazemos, pensando mais na prevenção e nos estilos de vida mais naturais e saudáveis. Teríamos de evitar o turismo como grande consumidor de recursos e desestabilizador dos ambientes naturais e humanos. Direcionar os ímpetos consumistas para o consumo de conhecimento e cultura que podem ser inesgotáveis. Isto e muitas outras coisas verdadeiramente radicais aos olhos contemporâneos. O mundo seria muito diferente.

Latouche alerta para esta necessidade, que será tanto mais forte quando os níveis de vida começarem a aumentar nos países onde os níveis de consumo e exploração estão abaixo da média. Se pensarmos que um Norte-americano consome em média o equivalente a 6 terras per capita, podemos ver o nível de desigualdade existente no planeta.

Tudo isto será uma utopia, mas, seguindo as alternativas propostas pelos defensores do decrescimento, a humanidade terá de repensar os seus modelos de desenvolvimento, pois será impossível manter determinados estilos e níveis de vida sem com isso arriscarmos o equilíbrio planetário.

Referência bibliográfica:
Latouche, Serge. Um pequeno tratado do decrescimento sereno. Lisboa: Edições 70, 2011.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Fascismo deriva do Marxismo?

As origens do fascismo parecem estar em causa? Nem por isso, mesmo que exista quem queira deixar essa dúvida a pairar.
Pegando num qualquer manual escolar de história do 12.º ano é possível chegar a algumas conclusões, por isso apenas recorro propositadamente a uma dessas fontes para este texto, tendo por base o que se encontra atualmente em uso no ensino secundário em Portugal. Então vejamos.
O triunfo do surrealismo - Max Ernst
O marxismo surge em meados do século XIX associado aos movimentos socialistas e operários, mas mais como uma corrente filosófica e económica, isto porque Marx escreveu principalmente sobre economia - de notar que a sua grande obra é “O Capital”. Marx criticava aquilo a que chamava de socialismo utópico, que era aquele socialismo reformista que pretendia conviver com o capitalismo numa gradual melhoria das condições de vida para o proletariado e os pobres no geral. Marx dizia que isso seria impossível, que tal objetivo era inconciliável. Para ele somente através duma revolução violenta capaz de derrubar o capitalismo se instauraria um modelo mais justo para o proletariado. Chamou a esse modelo, no estágio último de desenvolvimento, "comunismo", pois seria uma opção coletivista de garantir a justiça na distribuição de riqueza. Chega a esta conclusão depois de fazer uma análise história, concluindo que as tomadas de poder sempre ocorreram de forma violenta, passando os dominados a dominantes, depois de assegurarem o poder político e o controlo dos meios de produção. Para Marx são especialmente os meios de produção – a capacidade de gerar riqueza – que determinam e definem o poder político: quem os detiver controla todo o poder. Chamou a esta teoria "materialismo histórico" ou o "socialismo científico". Apesar de ser mais complexo que isto e de as suas aplicações práticas terem gerado verdadeiras calamidades humanas, podemos dizer que o marxismo enquanto teoria aspirava à igualdade.

Por outro lado, o Fascismo desenvolve-se rapidamente no pós primeira guerra-mundial, aproveitando o caos político, a crise financeira e a ameaça comunista aos países capitalistas da europa central e ocidental. O fascismo defendia a desigualdade: determinados grupos deveriam governar sobre os demais porque eram superiores. Essa superioridade poderia ser mais ou menos racial, económica ou outra, mas resume-se ao desígnio do domínio violento pelos mais fortes. O fascismo cresceu apoiado nas classes mais elevadas, mas também pela classe média, pois seriam esses grupos que perderiam poder e riqueza se o comunismo triunfasse com os seus projetos revolucionários de mudança social e económica. Só assim se justificou essa rápida ascensão e adesão: era o medo da mudança e da perda dos bens e diretos adquiridos, mesmo que fossem desiguais e fundamentados em princípios desumanos. Sem essa “ameaça” comunista nunca o fascismo teria ganho a força necessária para se constituir como governo em Itália, Alemanha e outros países, ainda que existam algumas exceções como o caso de Portugal. Mas a única relação é essa. Ao nível dos valores, princípios e objetivos nada os poderia tornar mais antagónicos, ainda que ambos os regimes tenham constituido ditaduras totalitárias por não permitirem visões e opções dissidentes dos modelos sociais e económicos que queriam implementar.

Referências bibliográficas:
Um novo Tempo da História - História A - 12.º Ano.  Autoria de Célia Pinto do Couto , Maria Antónia Monterroso Rosas ; Revisão: Elvira Cunha de Azevedo Mea. Porto Editora, 2016.

Outras referências que podem interessar para aprofundar conhecimentos e saber mais:

Arendt, Hannah. As origens do totalitarismo. Lisboa: Dom Quixote, 2006.
Judt, Tony. Pensar o século XX. Lisboa: Edições 70, 2012.
Rémond, René. Introdução à história do nosso tempo - do antigo regime aos nossos dias. Lisboa: Gradiva, 1994.
 

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A filosofia na Cultura Pop: cinema de ficção científica e super-heróis

Lembro-me de uma determinada professora de filosofia do ensino secundário pela abordagem diferente que fazia nas suas aulas. Conseguia-nos cativar com alguns temas e referências muito especiais. Infelizmente esqueci-me do nome dela, mas ficou uma imagem idealizada dessa professora que tem servido de inspiração.


Sweet Dreams Baby - Roy Lichtenstein

Um desses assuntos foi a temáticas dos filmes de ficção científica, quando deles tirava conclusões sobre a condição humana e as relações sociais de cada tempo em que eram realizados. Lembro a referência a mensagens que se poderiam retirar de filmes tão populares como “Blade Runner”, “Exterminador Implacável” e “Alien: o oitavo passageiro”. Cada um deles falava da problemática das máquinas com inteligência artificial. Em todos estes filmes, de um modo ou de outro, as máquinas eram os vilões. Ou seja, havia um medo claro dos limites da descoberta científica. Depois, curiosamente, nos anos 90, surgem sequelas, surgem novos filmes em que as máquinas já parecem querer também ajudar contra outras máquinas ou dificuldades. Mudaram-se então as mentalidades? Talvez, ou simplesmente era a novidade que permitia alimentar esta industria tão carente de coisas novas para consumo rápido.

Um outro fenómeno curioso, com o qual também se podem fazer extrapolações, é o crescimento do interesse pelos super-heróis. Se antigamente, a partir dos anos 90 e por ai fora, reinaram filmes de acção populares para os mais jovens em que os heróis eram “mauzões” que dominavam, com meios muito pouco ortodoxos, do tipo anti-heróis e ao estilo “gangster”, desde há uns anos para cá as coisas parecem ter mudado.

 São cada vez mais os filmes de super-heróis clássicos (com capas, fatos e nomes originais) e suas adaptações, no seu individualismo e idealismo do "bem", ainda que existam excreções como é normal. Será também uma mudança social e de valores? Ou seja, mantém-se o individualismo típico das sociedades pós-industriais e ultraliberais, mas parece querer renascer o sentimento de altruísmo, do praticar o “bem” e de encontrar um sentido para existência individual? Será o reflexo de sociedades que, vivendo na abundância, pretendem agora a felicidade individual que nem sempre passa por mais bens materiais?

Não se poderá concluir disto grandes certezas. Mas podemos dizer que é possível retirar dos filmes e produções da cultura pop significados e referências mais profundas do que seria expectável em produtos de consumo rápido. Podemos filosofar sobre isso. Podemos usar do intelecto para colocar questões e problemáticas.

 Poderá ser a prova de que a filosofia se pode massificar e ao mesmo tempo diferenciar no individualismo ultraliberal, com cada um a poder abordar, sejam quais forem os temas e perspetivas, do modo e no formato que mais lhe convier?

Isto é uma extrapolação arriscada, mas sem arriscarmos o erro e fazer as perguntas não poderemos avançar com mais conhecimento e compreensão. Afinal, até podemos fazer um bocadinho de filosofia assim.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Efeito parasitário do turismo no património e urbanismo

Pode ser polémico, mas o turismo pode ter um efeito parasitário geral, beneficiando de investimentos e das existências de outras atividades contribuindo diretamente pouco ou nada para os custos que recaem sobre elas. Um desses casos poderá ser o património histórico, mas também o urbanismo na sua dimensão integrada de conjuntos edificados e atividades que se desenvolvem nos espaços urbanos.

Grupo de artistas dinamarqueses em Roma -  Constantin Hansen
O turismo é claramente um sector económico de extrema importância. Do ponto de vista psicossocial, trata-se de uma atividade de lazer que pretende proporcionar experiências agradáveis, que seja pelo lado lúdico, instrutivo ou outro. É imensamente importante do ponto de vista económico, até porque é tratado como uma exportação. Mas o turismo só acontece onde existam atrações que o justifiquem. No caso do património histórico e urbanismo essas atrações surgem de heranças ou desenvolvimentos que não foram pensadas para esse fim, ou seja, a sua utilidade é quase sempre transformada e adaptada. Alguns desses usos originais pretenderiam dar resposta às necessidades contemporâneas das épocas em que as construções terão sido edificadas. Mas quem fala de construções fala de outro tipo de criações humanas que possam ter nos dias que correm utilização turística. O turismo, nestes casos, usa os recursos já existentes. Será que os usa na mesma medida em que contribui para os manter?

Em muitos destes casos existe uma pressão turística crescente sobre determinados patrimónios. Ou as entidades públicas encontram modo de converter essa procura em receitas para compensar os custos sobre a degradação que se acelera do património ou então entra-se em casos de insustentabilidade. Isto tanto é valido para o sector público como privado, sendo que na dimensão pública os preços cobrados pelo usufruto tendem a refletir diretamente os encargos. Mas nos casos em que esses patrimónios têm usos religiosos, cívicos e identitários locais e nacionais, a cobrança de entradas ou impostos indiretos para suportar esses custos, especialmente aos autóctones ou cidadãos a quem esse património é próximo, pode gerar injustiças, ainda que não reflita a totalidade dos gastos.

Assim não será de estranhar que se considere o sector do turismo parasitário em determinados casos, especialmente quando contribui para a degradação do património, impede que os cidadãos do país em causa o usufruam ou pelo simples facto de causar tais impactos que descaracteriza ou transforma a vida das populações locais. Será certo que tem efeitos económicos positivos e que pode contribuir indiretamente através dos impostos de consumo que gera para a economia e finanças públicas. Mas será que esses fundos depois chegam aos organismos que gerem o património e às autoridades urbanas e territoriais que têm de lidar com os impactos da pressão sobre as infraestruturas, sistemas de transportes e outros?  Existem entidades e autoridades públicas que encontraram várias alternativas de tentar transferir estes custos para a indústria do turismo mas é uma questão que continua a ser pertinente.

Fica a questão e alguma bibliografia que trata esta problemática.


Referências bibliográficas:
Benhamou, Françoise. (2011). L´économie de la culture (7ª edicion). Paris: La découverte.

Graham, Brian; Ashworth, G. J.; Tunbridge, J. E. (2000).
A geography of heritage - Power, Culture & Economy. London: Arnold.

Patin, Valéry. (2012).
Tourisme et patrimoine. Paris: La documentation française.
Peackock, Alan; Rizzo, Ilde. (2008).
The heritage game - economics, policy and practice. Oxford: Oxford University Press.

Rizzo, Ilde & Mignosa, Anna (ed.) (2013).
Handbook on the economics of cultural heritage. Cheltenham/Northampton: Edward Elgar.
 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

400.000 visitas no blogue

Nesta semana o blogue passou da marca das 400.00 visitas. Também a página de facebook atingiu os 1900 gostos. Apesar de poder ser uma coisa de pouca relevância trata-se de um registo histórico que não se poderia deixar de fazer aqui neste espaço.
Tendo em conta que o tempo para escrever é cada vez menos queria aproveitar para agradecer a todas e todos quantos ainda vão acompanhando os textos que aqui vou publicando, cada vez mais espaçados no tempo.
Mas a intenção será continuar, mesmo que com menos intensidade, continuando a partilhar pedaços desta busca pela sabedoria.
 
Novamente obrigado!
 
Micael Sousa

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Somos obrigados a brincar com coisas sérias

"Não se brinca com coisas sérias". Com certeza já ouviram e leram muitas vezes está expressão.
 
Façamos então aqui um pequeno ensaio indutivo tentando retroceder ao axioma para testar a validade desta expressão. Então aqui vai de forma simplista.

A mulher do agricultor - Miró

Se uma coisa é não séria é porque de facto se brinca com ela.
 
Se uma coisa é séria então não se brinca com ela pelo facto de ser séria, caso contrário entraríamos numa contradição.
 
Se as coisas existem antes dos seres humanos, ou então se existem a partir do exato momento que também existem seres humanos que lhes atribuem sentido e significado, então temos de partir do princípio que existe um momento primordial em que nada é sério ou divertido.
 
Assim, para que uma coisa seja divertida ou séria teve primeiro de se testar a comicidade da dita coisa. E se uma coisa é não engraçada, logo pode ser muitas outras coisas, entre elas ser séria. Então o estado natural, seguramente não será o ser engraçado. Se estivéssemos vedados a apenas brincar sobre coisas engraçadas então primordialmente não poderíamos brincar com nada.
 
Assim, sem se brincar com determinada coisa não seria possível saber se seria séria ou não. Logo, se não pudéssemos brincar com uma dita qualquer coisa então nunca teríamos desenvolvido o ato de comédia ou diversão sobre as coisas.
 
Logo, em potencia, podemos brincar com tudo para testar se a dita coisa pode vir a ser séria ou não.
 
Poderão dizer que atualmente, tendo em conta que existe uma história longa, o sério e o engraçado já está definido. Mas se assim fosse isso teria de ser anterior à própria humanidade e ou não haver um processo de mudança histórica nas sociedades humanas. Sabemos que as mentalidades e as manifestações emocionais coletivas e  individuais mudaram muito ao longa da história e de grupos humanos para grupos humanos.  Devido a isso uma coisa pode ser engraçada e/ou séria num determinado momento histórico e numa determinada sociedade ou grupo humano mas não o ser noutros.
 
Assim, conclui-se que se pode brincar com coisas sérias, pois as sociedades depois dirão se acham ou não piada.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Felicidade no Trabalho – Um documentário de Martin Meissonnier

O trabalho é um dos pilares da vida contemporânea. Desde que o capitalismo traduziu o trabalho em valor, indiretamente, transacionável colocou-o sob pressão. Ou seja, modificou as relações de trabalho e submeteu os trabalhadores a novos desafios.

Os trabalhadores de hoje estão cada vez mais submetidos ao “turbocapitalismo” e ao desenvolvimento económico mundializado onde se diluem restrições, direitos e as velhas estruturas laborais. São imensos os casos de trabalhadores em situações insustentáveis, tanto na dimensão salarial mas especialmente pela pressão do stress.
 

O presente texto não é um manifesto político ou sindical. Nada disso. Serve de introdução ao documentário “Felicidade no Trabalho”, realizado por Martin Meissonnier, em 2015. O que torna esse filme especialmente interessante é a inversão do problema. Foca-se na solução para os problemas laborais através do recurso à felicidade. Fá-lo recorrendo a vários exemplos de empresas e instituições que se modernizaram e melhoraram a sua produtividade e desempenho através dessa estratégia. Centrar o funcionamento da empresa na garantia da felicidade dos trabalhadores demonstrou ser capaz de recuperar empresas/instituições em situação difícil e torna-las casos de sucesso com o devido retorno económico para trabalhadores, proprietários e investidores.

Passemos a alguns dos exemplos que levaram ao sucesso:
• Envolvimento dos trabalhadores em todas as atividades da instituição, especialmente na decisão de funcionamento e estratégia geral;
• Organização horizontal, evitando uma fria e distante hierarquia vertical;
• Valorização do potencial e capacidades individuais dos trabalhadores, incluindo recompensas financeiras e outras vantagens quando contribuem para o melhor desempenho da instituição;
• Responsabilização e autonomia nas tarefas e funções de cada trabalhador;
• Participação na escolha das chefias, predispostas para modelos colaborativos contínuos e em melhoria constante;
• Flexibilidade nos horários, possibilidade de trabalho à distância, respeito pelo ritmo individual de cada trabalhador e trabalho orientado para objetivos;
• Sentimento de que as funções que os trabalhadores desempenham são socialmente benéficas e importantes.

Estes são apenas alguns exemplos generalistas que se podem resumir os casos concretos de empresas descritas no documentário. De notar que algumas empresas já fazem isto em Portugal, mas são exceções, pelo que seguramente haveria muito a ganhar em produtividade tal como se demonstra nos casos de sucesso identificados.

Em jeito de conclusão importa lembrar mais alguns dados que o documentário enuncia. Lembra que passamos maior parte do nosso tempo ativo a trabalhar, mais que em lazer, família e outras atividades. Que as sociedades ocidentais têm assentado numa cultura democrática e de respeito pela liberdade e individualismo, mas que nas empresas e instituições essa mudança não ocorreu. Que o choque de gerações é evidente, no caso concreto da geração Y isso é notório, em que os modelos rígidos de organização do trabalho não têm em conta as mudanças sociais e de mentalidades das novas gerações. Esses novos trabalhadores valorizam mais a flexibilidade, criatividade, independência e o propósito das funções laborais assumidas que a estabilidade e a remuneração como o principal valor para garantir a felicidade e realização no trabalho.

Tendo em conta uma realidade europeia, o documentário refere que somente cerca de 10% dos trabalhadores são felizes no trabalho. Que para 60% deles o trabalho é-lhes indiferente e que os restantes 30% simplesmente detestam o que fazem. Se os trabalhadores só atribuem ao salário cerca de um terço das razões para serem felizes, tudo o resto dependerá daquilo que já se enunciou como medidas a implementar para melhorar a felicidade no trabalho e produtividade das empresas e instituições. Trabalhadores desmotivados, stressados e contrariados não contribuem para a produtividade das empresas/instituições. No fundo é bastante simples.

Assim, o documentário comprova que compensa, tanto pela saúde psíquica dos trabalhadores como pelos ganhos económicos, apostar na felicidade dos trabalhadores, seja em que ramo de atividade for, quer seja nos sectores públicos ou privados.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Hannah Arendt - um filme para filosofar e conhecer uma época

Ver um filme para tentar aprender algo sobre filosofia costuma não dar em grande coisa. Há poucos filmes sobre filósofos e os poucos que se fazem nem sempre chegam aos espectadores. Mas há sempre canais que conseguem romper com essas tendências gerais. A RTP2 é um desses casos. Recentemente exibiram o filme “Hannah Arendt “, de Margarethe Von Trotta.


Trata-se de um filme que retrata partes da vida da famosa filósofa. Explora a personalidade dessa mulher, considerada por muitos uma das principais e mais influentes filósofas do século XX, ainda que a própria nunca se tenha verdadeiramente assumido como tal. O enredo incide sobre o período em que Arendt acompanhou o julgamento de Eichmann pelo recém-formado Estado de Israel. Seria suposto fazer apenas um artigo para a revista New Yorker, de estilo jornalístico, mas Arendt foi muito mais fundo que isso, filosofando sobre a “Banalidade do Mal”. Esse artigo, que mais tarde daria origem a uma das suas mais famosas obras, constata que a desumanização do ser humano, quando privado de pensamento crítico próprio, pode levar a que uma pessoa comum cometa os atos mais horríveis como sendo algo banal, sem que a isso esse sujeito seja de facto um ser especialmente diabólico. Esta conclusão surge na sequência de estudos anteriores de Arendt, sobre "As Origens do Totalitalismo”, mas ganha corpo depois de analisar “A Banalidade do Mal” de Eichamann, um burocrata que cometeu crimes contra a humanidade sem remorsos, por simplesmente achar que estava a fazer o seu papel, a cumprir o seu dever perante o Reich.

Hanna Arendt tinha origem alemã e judia. Tinha sido presa e por pouco não foi também ela deportada para os campos de concentração e para a morte. Consta que terá sido o seu amante de juventude, o filosofo Heidegger que a terá salvo, ele que era um simpatizante nazi. Terá sido depois da guerra Arendt a ajudar a sanear o antigo amante e mestre, evitando os processo que aconteceram a outros nazis.

 Há que lembrar que Eichmann foi um dos responsáveis do sistema de extermínio em massa do povo judeu. A capacidade de uso da razão que Arendt terá tido perante aquela confrontação com Eichmann, é notável. Ainda hoje os judeus desconsideram Arendt por ter criticado nos seus escritos as lideranças dos judeus no tempo do holocausto e de ter racionalizado o ódio que todos queria manifestar e corporizar contra a figura de Eichmann. Acusaram-na de ser friamente racional.

Hannah Arendt é um daqueles filmes para quem quer conhecer uma época e uma personalidade importantíssima do pensamento do século XX. O desempenho dos atores é irrepreensível, especialmente de Barbara Sukowa, no papel de Hannah Arendt. Boa fotografia e ambientes credíveis, com uma acção a ritmo próprio para pensar. De notar o recurso  a excertos do próprio julgamento de Eichmann, dando quase uma dimensão documental ao filme.

terça-feira, 15 de março de 2016

Porque tem Fevereiro menos dias?

Cada civilização, ou cultura, na antiguidade tinha o seu calendário. Muitos seriam lunares outros solares. O primeiro calendário romano era lunar e de apenas 10 meses, criando várias deturpações na contagem do tempo tal como hoje o consideramos. Por seu lado, os egípcios usavam um calendário solar, muito mais exato segundo os padrões atuais.
 
Manhã de Fevereiro em Moret-sur-loing - Alfred Sisley
 
Os romanos são conhecidos pelo seu empreendedorismo e capacidade de adaptação e aprendizagem com os povos com quem interagiam e conquistavam. Imensos aspetos da vida e culturas romanas foram herdado e adaptados. O calendário é um desses exemplo. O próprio conceito de património e herança é próprio do direito romano.
 
Terá sido Júlio Cesar a adotar o calendário solar, passando o ano romano a ser composto por 12 meses base, mas continuavam a existir o problema do ajuste certo dos dias à duração do ano. Um ano tem sensivelmente 365,2425 dias. Ou seja, por cada ano que passa, adotando um calendário de 365 dias vai acumulando um erro de um quarto de dia sensivelmente. Daí a necessidade de criar os anos com diferentes números de dias. Para o calendário Juliano existiam sequências de 24 anos em que cada ano tinha respetivamente: 355, 377, 355, 378. Isto obrigava a que de dois em dois anos os dias do mês de Fevereiro diminuíssem e se adicionasse um mês adicional. À exceção do mês adicional excecional, o Mercedônio. Oficialmente o ano terminava em Fevereiro, o mês que se tinha de adaptar à duração do ano solar. 
 
Para os romanos o ano começava com o mês dedicado a Marte, ao deus da Guerra pois era com a primavera que se iniciavam as campanhas militares que tornaram Roma uma potencia imperial.
 
Foi somente, muito mais tarde, com o calendário Gregoriano, por ordem do Papa Gregório XIII, em 1582, que se optou pela atual organização de calendário. Ainda que Fevereiro tenha deixado de ser o último dia do ano, continuou a ser o mês dos ajustes solares. Apesar de ser mais exato que os anteriores, o calendário Gregoriano apresenta erros, sendo que a cada 3000 anos avança um dia a mais.
 
Ver mais em:
 

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