quarta-feira, 13 de maio de 2015

Quando os Media formam consumidores em vez de cidadãos

Existe, desde há alguns anos para cá, uma tendência para o esvaziamento das entidades que tradicionalmente exerciam poder sobre indivíduos e sociedades (Naim, 2014). Essas instituições, políticas, religiosas, corporativas, cívicas e etc., têm perdido o seu peso nas sociedades contemporâneas. No caso das democracias isso traz um problema considerável, pois é a própria sociedade civil que perde (Levine, 2002). Nessa perda de poder há um acentuar de perda nos grupos de pressão, especialmente dos defendiam os mais desfavorecidos e impotentes, habitualmente defendidos por congregações religiosas, partidos políticos e sindicatos. Há que lembrar também Tocqueville (2001), quando demonstrou que era nessas instituições cívicas que se formava a massa humana crítica e ativa que tornavam uma democracia sadia.
Michael Jackson e Bubbles - Jeff Koons
Um outro aspeto curioso passa pelo falhando do efeito cívico previsto para o crescimento da generalização da educação. Muitos dos poderes tradicionais referidos foram-se esbatendo, direta e indirectamente, pelo crescimento da liberdade individual aliada à universalização da educação. No entanto, esse alargamento da escolarização em quantidade e qualidade, não se transformou em reforço da participação cívica e na melhoria das democracias, isto ao contrário do que muitos previam (Ginsborg, 2008). Apesar desse imprevisível marasmo cívico, não significa que as sociedades contemporâneas sejam incapazes de mobilização por causas particulares. Existem mesmo casos de mobilização massiva, especialmente amplificada pelo acesso à Internet. Mas esse envolvimento cívico assume, muitas vezes, contornos efémeros e pontuais, e não uma atitude continuada que faça parte da vivência quotidiana. 

Curiosamente, nesta derrocada de poderes tradicionais os menos afectados têm sido os económicos, especialmente os de grande escala. As sociedades são cada vez mais consumistas, propensas à busca pela constante novidade material. Entra-se assim numa fase de consumismo e individualismo exacerbado. Essas entidades económicas têm saindo reforçadas e continuam a marcar a sua posição de dominância, contribuindo para fabricar a cultura de massas e o consumismo a ela associada. A vida familiar está impregnada destes valores. Não será de espantar, pois os meios de difusão cultural e informativa – os Media – são controlados pelos tais grupos económicos, interessados no reforço das tendências consumistas. O caso da televisão é o mais marcante, por ser o principal instrumento de difusão cultural familiar. Especialmente por esse meio vão-se formando e reforçando consumidores e não cidadãos. A televisão pretende entreter e não formar. Interessam as audiências e o consumo de determinados produtos e serviços. Parece não importar formar cidadãos com consciência política cívica e democrática (Ginsborg, 2008).


Tendo em conta este estado de coisas, não é estranho o afastamento entre o exercício da cidadania política e os valores e hábitos que se ganham através da cultura familiar. No entanto será interessante perceber os efeitos do reforço do individualismo na procura de entretenimento, especialmente porque o uso da Internet – que é um espaço muito mais livre – vai alastrado e porque a televisão também está a evoluir para formatos mais costumáveis em que se pode escolher o que ver e quando.
 
Referências bibliográficas
• Ginsborg, Paul. “A Democracia que Não Há - O que fazer para proteger o bem político mais precioso dos nossos tempos”. Editorial Teorema, 2008.
• Levine, Peter. “Can the Internet Rescue Democracy? Toward an On-line Commons. Democracy’s Moment: Reforming the American: Political System for the 21st Century”.Lanham, MD, Rowman & Littlefield. 2002.
• Naim, Moises. “O Fim do Poder - Dos campos de Batalha às administrações, aos Estados e às Igrejas. Porque ter poder já não é o que era”. Gradiva, 2014.
• Tocqueville, Alexis de. “Da Democracia na América”. Princípia, 2001.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Capitão Falcão - O filme fascista defensor da liberdade e democracia

O primeiro super-herói português é um fascista que idolatra Salazar e o Estado Novo.  Aqui está o mote para o filme “Capitão Falcão” de João Leitão. Obviamente que se trata de uma paródia, mas mesmo assim ainda terá sido um risco considerável avançar com este tipo de produção. Um risco ganho e que reforça o próprio espírito democrático. Criar um filme em torno de um super-herói cuja principal tarefa é derrotar feministas, livres pensadores, artistas, comunistas, democratas, intelectuais, ateus, homossexuais, transformistas e todos aqueles que podem atentar contra o fascismo conservador e hipócrita do Estado Novo é prova de maturidade democrática. Finalmente podemos ser livres e gozar connosco mesmos e com um período negro da nossa história, pois este herói ridiculariza-se a ele próprio e aos valores que defende, sendo a apologia perfeita de tudo aquilo que o antagoniza.
Assim, Capitão falcão é um hino dissimulado à democracia e liberdade. O enredo e os conteúdos do filme sobrepõem-se em camadas que se aprofundam na medida em que se analisam o ridículo de alguns discursos e cenas. Na primeira camada estão os combates, as artes marciais e o cómico básico de sátira aos filmes de super-heróis de Banda Desenhada. Nas restantes camadas critica-se o obscurantismo do salazarismo e mais a fundo a própria sociedade portuguesa, com inúmeras referências à época contemporânea. O manancial de piadas e trocadilhos revelam um trabalho de originalidade na escrita que dão substrato ao filme.
Em tudo se notam as limitações orçamentais, mas tudo acaba por funcionar bem. Os atores são bastante bons, especialmente Gonçalo Waddington que tem algumas performances brilhantes, alternado entre a parvoíce calma e o desvario. Os restantes atores adequam-se, tirando um ou outro papel secundário menos conseguido. A fotografia está igualmente bastante aceitável, embora os cenários e ambientes não sejam muito ricos.
Um aspeto que acaba por prejudicar o filme é a sua duração. Se fosse condensado em menos meia hora provavelmente ficaria no ponto, com a dinâmica de ação mais fluida e sem pausas para o espetador recuperar do rol de (boas) parvoíces contidas na história.
Pela novidade que representa, pelo espírito empreendedor dos criadores, pela originalidade da ideia em si, e como ela surge numa altura em que se coloca em causa a democracia, faz todo o sentido ir ao cinema ver o Capitão Falcão.

Artigos relacionados

Related Posts with Thumbnails
WOOK - www.wook.pt

TOP WOOK - Arte

TOP WOOK - Dicionários

TOP WOOK - Economia e Finanças

TOP WOOK - Engenharia

TOP WOOK - Ensino e Educação

TOP WOOK - Gestão

TOP WOOK - LITERATURA





A Busca pela sabedoria - criado em Agosto de 2009 por Micael Sousa



Introduza o seu e-mail para receber a newsletter do blogue: