segunda-feira, 27 de março de 2017

Definir o urbanismo pelo arado: origens do termo urbanismo e da prática de gestão das cidades

Voltando aos temas da origem de determinas palavras vamos entrar no domínio do urbanismo.  Qual a origem do termo “urbano”?

Consta que o substantivo urbano advenha do latim, da palavra "urbs", que significava cidade e tinha uma relação com à delimitação da cidade de Roma, do "urbum" que lhe definia os limites. Os romanos utilizavam o arado (ulmus aratri) para traçar os limites de um novo colonato. Traçavam o limite numa terreno livre de modo a criar uma área confinada para nela se construir a nova cidade, que iria albergar os lotes, arruamentos, praças e outros elementos urbanos (1). Para além disso os romanos faziam muitos outros rituais de consagração da própria proto cidade.

Arando em Nevernais - Rosa Bonheur

Este conceito romano diverge e afasta-se do termo grego “polis”, que significa cidade mas aponta mais para o sentido de comunidade humana. Isto poderá servir para nos questionarmos para a forma como ambas as comunidades viam as cidades e as suas comunidades urbanas, se era o contexto social que definia a cidade ou se era a forma da cidade que definia o contexto social.

Por outro lado, os romanos utilizavam de um modo mais abrangente o termo "civitas" também como sinónimo de cidade, com o conceito a aproximar-se mais do conceito alargado da "polis" grega.  De notar as aproximações e relações do termo "civitas" com civismo, civilidade, civilização, etc., estando tudo relacionado mais com a cultura e comportamentos que com uma dimensão material, embora a palavra “urbanidade” seja igualmente comportamental.

A gestão das cidades a partir da época contemporânea, mais concretamente de Ildefons Cerdá com o seu famoso plano de Barcelona de 1855 e de Haussmann em Paris em 1860, foram definidas como intervenções urbanísticas, em grande relação com o desenho e organização funcional material da cidade. 

Desde então a gestão das cidades mudou muito mas continua a ser definida como “urbanismo” e não “polismo” ou “civitismo”. Claro que parece anedótico e é uma brincadeira, até porque o urbanismo não se define hoje em dia pela relação direta com o termos latinos que lhe deram origem, mas parece evidente que fez um caminho para se libertar da inflexão do traçado e passar a assumir, de uma forma integrada e interdisciplinar, as questões sociais, ambientais e outras. Cada vez mais a gestão das zonas urbanas quer ser sustentável em toda a dimensão disciplinar que o termo comporta, sendo o traçado um dos elementos para chegar a esses fins, não o fim em si mesmo.

Fica a curiosidade da origem do termo e de quanto ele pode ter influenciado uma prática.

Referência bibliográfica:
[1] Francesco Bandarin & Ron Van Oers - The historic urban landscape: managing heritage in a urban century. Oxford: Wiley Blackwell, 2012.  p107

sexta-feira, 17 de março de 2017

Utopias – Os primeiros textos utópicos e a moralização das sociedades

Uma utopia pode ser definida como uma construção intelectual de sociedade ideal. Trata-se de uma sociedade impossível pois existe apenas na esfera das ideias, quase sempre falhando na sua possibilidade de concretização pela esmagadora complexidade das sociedades e dos indivíduos. É essa complexidade que se simplifica habitualmente nos postulados de construção das ideias utópicas. Talvez assim seja porque as sociedades não são inventadas num acto isolado e súbito de criação, mas por surgirem de processos complexos e morosos que se ligam à própria história dos grupos humanos.

Não faltaram propostas de utopias ao longo da história do pensamento ocidental. De notar que as utopias eram sempre definidas como alternativas ideais às sociedades existentes na época em que os criadores utópicos as definiam. Podemos até questionar se a ideia dos utópicos era realmente implementar as suas utopias ou apenas alertar para a necessidade de correcções de comportamento, de organização, de atitudes e valores nas suas próprias sociedades.


A Parábola dos Cegos - Pieter Bruegel "o velho"

Destaca-se a proposta filosófica de Platão na sua “República”, datada do século IV a.C., onde propunha uma sociedade aristocrática em que os líderes, chamados de “guardiães”, lideravam a comunidade pelas suas características pessoais, não por heranças, riqueza ou outras formas de diferenciação. De notar que para Platão o objectivo máximo da existência e o sentido da vida era a concretização do Bem. Estes guardiões saberiam com certeza como garantir, pois era mos mais sábios, justos e capazes de governar para o bem. Daí a noção de que as sociedades deveriam ser governadas por filósofos ou que os reis se tornassem eles próprios filósofos. Curiosamente isto vai ser ensaiado na europa do século XVII e XVIII com os “déspotas esclarecidos”, mais de 2.000 anos depois.

Saltando uns séculos, Thomas More escreveu, no início século XVI, a sua “Utopia”. Nesse livro reinventava a sociedade inglesa. Na sua utopia, a sociedade organizava-se em pirâmide, assente sobre o direito electivo familiar. As eleições seriam livres, sem candidaturas e lutas conflituosas. As leis seriam simples e todos os membros desta utopia teriam formação avançada em direito: todos seriam doutores em direito. Defendia que quanto menos leis mas natural, justa e racional seria a sociedade. Todos tinham de trabalhar. De notar que o termo escolhido pelo autor, a “utopia”, tem origens no grego, significando “nenhum lugar”, o que indicia que o objetivo dessa obra fosse o impacto de consciencialização moral mais que uma tentativa real de implementar a solução prescrita.

No século XVII Tommaso Campanella escreveu a “Cidade do Sol” em que defende um modelo de sociedade ideal de inspiração neoplatónica. O Estado era liderado pelo príncipe-sacerdote “Sol”. O monarca Sol era ajudado pela “potência”, “sapiência” e “amor”. Toda a sociedade era profundamente organizada pela razão. A propriedade privada era abolida, tudo era comunitário. Valorizava-se, acima de tudo, a cultura, ciência e educação.

Estas foram apenas algumas das primeiras utopias, algumas das mais conhecidas e que se associam a obras completas publicadas. Muitas outras surgiriam depois, especialmente no século XIX com os movimentos socialistas e anarquistas. Mas isso fica para outro texto. De notar que estas utopias aqui referidas foram muito radicais na sua época, o que levou a perseguições a Campanella e à condenação à morte de Thomas More, embora motivada por outras razões políticas e religiosas, nomeadamente pela sua recusa em aceitar a política matrimonial e religiosa de Henrique VIII. Já de Platão não consta qualquer perseguição, uma vez que era um aristocrata e que a sua cidade de Atenas na altura era uma democracia, apesar dessar mesma sociedade ter condenado Sócrates à morte por este contaminar o espírito da juventude ateniense com as suas ideias e questões.

Referências bibliográficas:
Campanella, Tomás (2006) - Cidade do Sol. Guimarães Editores.
Fernandes, António José (2015) – Introdução à Ciência Política – Teorias, métodos e Temáticas. Porto Editora.
Morus, Tomás (2009) – Utopia. Guimarães Editores.
Platão (2005) – República – ou Politeia. Guimarães Editores.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Hegel simplificado


Simplificar o famoso filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel é um verdadeiro serviço à humanidade, especialmente na época que corre.
Hegel produziu muito do ponto de vista filosófico e foi extremamente influente no pensamento ocidental posterior. Atingiu o mais alto cargo académico alemão na época e foram muitos os filósofos posteriores que partiram das suas teses filosóficas.
 
Retrato de Hegel - Schlesinger
Mas Hegel escrevia de um modo horrivelmente complicado. Os seus longos livros são de muito difícil digestão, até para especialistas. Talvez por isso não tenha atingido a popularidade de outros filósofos num público mais leigo.
O canal de Youtube “The School of life” produziu uma série de vídeo sobre filosofia, rápidos e animados. Aquele que dedicaram a Hegel é especialmente interessante, pois consegue, em alguns minutos simplificar a introdução ao seu pensamento.
 
 
Do vídeo podemos concluir então concluir a importância do pensamento de Hegel em alguns tópicos:
  • Defendeu a importância de estudar a história, pois na sua época o passado era visto como “atraso” ou como mero meio de compreender o passado, quanto muito para algum tipo de legitimação do presente. Hegel defendia que a história deveria ser estudada de um ponto de vista crítico, pois a sua não linearidade fazia com que muitos conhecimentos importantes tivessem ficado esquecidos. Ou seja, ao passado poderíamos ir beber conhecimento válido para o presente e para o futuro.
  • A noção de dialética das ideias e do conhecimento. Concluía que a humanidade vivia em constante conflito histórico, do conhecimento, do comportamento, dos valores, etc., e que era desses processos que se geravam os avanços ou retrocessos que alimentavam a própria história da humanidade. Hegel identifica a uma relação dialética como o conflito de um conceito (tese) confrontado com o seu oposto (anti-tese) para gerar posteriormente uma conclusão (síntese). Esta simplificação representa muito daquilo que é o pensamento moderno racional, do conflito de ideias, da sua colocação à prova até se chegar a uma conclusão e até dos princípios democráticos. Essa conclusão a que Hegel chama “síntese” poderia ser uma nova ideia que teria posteriormente novo contraditório até se chegar a um novo resultado, gerando-se novamente o processo dialético, num processo contínuo ao longo da história mas não linear, até eventualmente a dialética cessar com o verdadeiro conhecimento. O processo tinha avanços e recuos, podendo as “teses” e “anti-teses”, tal como as “sínteses” ocorrer em períodos históricos diferentes. A aplicabilidade desta construção intelectual tem imensas aplicabilidades.
  • Na sequência do processo dialético Hegel também defendia algo bastante original. Dizia que na opinião adversária residia sempre valor e interesse. Ou seja, devemos procurar também na opinião ou posições dos nossos adversários partes da verdade que queremos atingir.
  • Hegel também se dedicou à estética. Destacava a importância da arte como mecanismo de vinculação de ideias, de expiação, de catarse, de transmissão de sentimentos, valores e cultura. A arte tinha de ter um propósito. A cultura seria o maior dos valores, tendendo o processo dialético para essa conclusão.
Hegel criou um pensamento monumental que parece ser de uma actualidade incrível, apesar dos seus dois séculos. Podemos ver inspirações da sua filosofia na história das ideias e da própria humanidade desde o século XIX.
 

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