quarta-feira, 15 de abril de 2020

Como as epidemias europeias e tudo o resto destruiu as civilizações americanas

Pode parecer estranho, apesar das diferenças tecnológicas, especialmente no domínio militar, ter sido tão fácil para os europeus terem dominado os impérios das américas. É ainda hoje surpreendente como caíram com tanta facilidade os impérios Azteca e Inca, sendo que as cidades da cultura Maia já estariam em colapso bem antes do no início do século XVI.

Mesoamericanos infetados com varíola - Iluminura do Codex Florentino da autoria de Bernardino de Sahagún
Fonte da imagem: https://www.nlm.nih.gov/nativevoices/timeline/180.html

Segundo William Denevau as populações humanas residentes nos continentes americanos antes da chegada dos europeus em 1492 contariam com cerca de 54 milhões de indivíduos, mas em 1635 seriam apenas 5 milhões (The Pinceton review, 2020). Estas informações constam de um manual norte americano de preparação para o exame de geografia humana. Apesar da violência do processo de conquista dos impérios nativos pré-colombianos e da própria colonização subsequente, terão sido as doenças o principal fator que contribuiu para o extermínio da população. Dificilmente saberemos qual a verdadeira proporção do impacto direto da violência militar ou das epidémias sofridas por contágio dos europeus. Os documentos da época retratam as mortes dos nativos face a doenças para as quais não tinham imunidade, tais como a gripe, sarampo, varíola, peste bubónica, entre outras. Estas estimativas variam, alguns autores sugerem que os efeitos das doenças trazidas da Europa, para a qual os nativos não tinham imunidade, tenham resultado em mortalidades que terão variado entre os 50% e os 90% (Roberts, 1989). No entanto os estudos regionais, feitos posteriormente, não parecem revelar evidências de uma vaga des pandemias continentais (Ubelaker, 1992). As evidências sugerem que as doenças fragilizaram fortemente a população nativa, afetada pela guerra e crise social e económica, em que problemas de fomes e malnutrição criaram condições para o grande decréscimo populacional (Moore, 1989). Embora isto não tenha sido nem linear nem simultâneo em todo o vasto território do novo mundo (Ubelaker, 1992), variando de intensidade e ao longo do tempo de modo desigual nos vários territórios, apesar do resultado final ter sido catastrófico. Terá sido então a conjugação de todos estes efeitos que terão gerado, numa análise global, o tal cataclismo populacional, embora não existam certezas sobre a verdadeira dimensão do mesmo. Livi-Bacci (2006) segue por esta visão, destacando as muitas incertezas que persistem, mas salientando, acima de tudo, aos efeitos conjuntos das doenças e da mudança súbita a que as sociedades pré-colombianas foram sujeitas com as interações e conquistas europeias. A mão humana foi seguramente importante, trazendo a espada, a espingarda, mas também um novo sistema de domínio, uma nova elite com hábitos culturais e novas prioridades na exploração económica, que vinha, sem saber, carregada de doenças mortais. 

Subsistem muitas incertezas sobre as civilizações da américa pré-colombiana. Um desses casos já foi aqui abordado anteriormente, sobre a civilização que construiram redes urbanas de cidades na selva amazónica. 

Num momento em que vivemos sob uma pandemia de escala global também não sabemos quais efeitos futuros nas estruturas socioeconómicas globais. Desconhecemos como as nações e organizações internacionais vão responder a crise global económica vindoura. Tudo indica que temos tecnologia e conhecimento capaz de responder melhor a estes desafios, e a cooperação internacional e conhecimento partilhado para ultrapassar isto, apesar de algumas lideranças políticas poderem vir a atrapalhar e desiludir os seus apoiantes. 

Referências bibliográficas:
Livi‐Bacci, M. (2006). The depopulation of Hispanic America after the conquest. Population and Development Review, 32(2), 199-232.
Moore, J.H. 1989. Quantitative and qualitative variables in human evolution. In Plains Indian Historical Demography and Health: Perspectives, Interpretations, and Critiques, G.R. Campbell, ed. Plains Anthropologist, Memoir 23, v. 34, no. 124, 127-133.
Roberts, L. (1989). Disease and death in the New World. Science, 246(4935), 1245.
The Princeton Review. (2019). Cracking the AP Human Geography Exam 2020. Princeton Review.
Ubelaker, D. H. (1992). Patterns of demographic change in the Americas. Human Biology, 361-379.

domingo, 5 de abril de 2020

Da agricultura e as primeiras cidades às doenças infectocontagiosas de origem animal

Tudo indica que até há cerca de 11.000 anos as populações humanas, de homo sapiens sapiens, sofriam do mesmo tipo de doenças infeciosas que os outros símios (Mack et al., 2012). Foi nesse período que terão surgido as primeiras populações sedentárias ou semissedentárias que dependiam de formas primitivas de agricultura. Seria necessária uma grande população permanente a viver em conjunto, associadas ao modo de vida sedentário, para que as doenças infectocontagiosas poderem persistir e espalhar-se pela grande maioria da humanidade (Wolfe et al., 2007). Este processo de desenvolvimento agrícola foi gradual, uma transição de sociedades errantes para sociedades que tendiam a ocupar espaços permanentes e a gerar concentrações humanas nunca registadas. O processo de desenvolvimento agrícola e concentração urbana ocorreu paralelamente, com a domesticação de animais, através da seleção por ação humana, tendo em conta as espécies disponíveis nas várias geografias e que mais se adequavam à vida em cativeiro perto de humanos (Diamond, 2002). A cidade de Jericó terá sido uma dessas primeiras cidades. 

 Jericho - Konstantin Gorbatov

Embora a sedentarização tenha permitido o crescimento das populações humanas e um maior controlo perante a dependência das incertezas provenientes das dinâmicas dos ecossistemas, algo inalcançável para as sociedades de caçadores-recolectores, esta revolução trouxe novos problemas, mais concretamente: novas doenças. Essas novas doenças tinham diferentes origens, podendo estar associadas aos estilos de vida sedentários e a uma falta de variedade da alimentação, mas principalmente às zoonoses (2020), que são as doenças que se transmitem de animais não-humanos para humanos. Muitas doenças infectocontagiosas que ainda hoje existem na espécie humanas têm origem em antigas zoonoses, sendo a gripe uma delas. Essas doenças surgiram pela proximidade de vivências com os animais domesticados, devido à concentração de pessoas em espaços exíguos. Essas doenças foram persistindo nas populações humanas através de ciclos de contaminação e capacidade de desenvolver imunidade parcial ou total, um processo lento, tanto pela força das dificuldades de transportes das primeiras civilizações como pela própria concentração populacional que raramente ia além das centenas nas primeiras cidades.  

As primeiras cidades eram pouco mais do que aldeias apinhadas de toscas casas onde pessoas, desempenhando múltiplas tarefas, viviam conjuntamente com animais em espaços sobrepostos e com escassas condições de higiene (Chueca Goitia, 1985; Mumford, 1961). A Concentração era essencial, pois o solo disponível deveria ser espartanamente gerido, a tecnologia de construção não permitia construções amplas, não havia água corrente nem sistemas de ventilação, as comunidades compactas eram mais fáceis de defender e de gerar entreajuda social, tal como garantiam menores distâncias de deslocação numa época em que viajar era muito complicado. Assim, essas primeiras cidades eram focos propícios para a transmissão de doenças entre animais e pessoas, mas lentamente entre comunidades, pois, apesar dos excedentes e prosperidade socioeconómica ter gerado normais redes de comércio, os transportes eram restritos e lentos. 

Hoje vivemos exatamente o oposto do que acontecia nestas primeiras comunidades urbanas. As condições de higiene globais são muitíssimo melhores, com uma separação higienizada, especialmente entre pessoas e animais, embora essa realidade mude em países menos desenvolvidos economicamente e onde os hábitos culturais ancestrais concorrem com normas de higiene. Mas atualmente a velocidade de deslocação de pessoas é vertiginosa. Uma nova doença, altamente infectocontagiosa, pode ser transmitida à escala global de forma nunca vista na nossa história devido à facilidade de transportes. Um caso disso é o COVID-19. Por isso, também os critérios de controlo de epidemias e pandemias vão passar a vigorar nos requisitos de planeamento e gestão de cidades, para além dos critérios de higienização que herdamos do planeamento urbano do século XIX.

Referências bibliográficas:
Choffnes, E. R. (Eds.). (2012). Improving food safety through a one health approach: workshop summary. National Academies Press.
Chueca Goitia, F. (1985). Breve historia del urbanismo (No. 307.7672 C4).
Diamond, J. (2002). Evolution, consequences and future of plant and animal domestication.
Mumford, L. (1961). The city in history: Its origins, its transformations, and its prospects (Vol. 67). Houghton Mifflin Harcourt.
Wolfe, N. D., Dunavan, C. P., & Diamond, J. (2007). Origins of major human infectious diseases. Nature, 447(7142), 279-283.Mack, A., Hutton, R., Olsen, L., Relman, D. A., &
zoonose in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2020. [consult. 2020-04-05 20:56:22]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/zoonose

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