quinta-feira, 20 de abril de 2017

Os Segredos da Bíblia - Um documentário à moda antiga do Canal de História

Provavelmente o título deste texto já terá afastado a grande parte dos interessados. Ultimamente o Canal de História não tem exibido verdadeiros documentários e apresenta um rol repetitivo de reality shows, de contexto norte-americano, que têm vindo a destruir a credibilidade do canal. Não que se deva esperar assistir a profundos e exaustivos documentários académicos, mas pelo menos exige-se que o dito canal tenham alguns conteúdos que se baseiem em fontes e em construções historiográficas minimamente sérias, caso contrário seria preferível e mais honesto mudar-lhe o nome.

A descrença de São Tomas - Caravaggio

No entanto, recentemente, provavelmente recuperando programas mais antigos, o Canal de História voltou a exibir um documentário à moda antiga. Ainda que seja bastante sensacionalista pela temática, a série de programas “Os Segredos da Bíblia” parece indiciar a tentativa de mais seriedade. São referidas fontes. Surgem comentários de enquadramento de alguns especialistas e a informação é apresentada quase sempre na forma de hipótese.

Em “Os Segredos da Bíblia” questiona-se a origem dos textos que compõem a coletânea de textos históricos, míticos e religiosos a que chamamos Bíblia. Entre muitas curiosidades são levantadas muitas questões que podem ser de extrema relevância, uma vez que os escritos da bíblia foram muito influentes na história da humanidade.
Refiro de seguida alguns exemplos de questões levantadas no documentário em causa, apenas a título de exemplo:

O novo testamento pode ter sido escrito por pessoas que não eram contemporâneas de Jesus, que podem ter vivido mais de 100 anos depois e que assinaram em nome dos seus discípulos para serem mais credíveis.

A referência a "virgem" Maria pode ser o resultado de um erro de tradução, pois no texto original estaria escrito "jovem mulher" que depois deu origem a “virgem” nas posteriores traduções.
Existem evangelhos que relatam o episódio do nascimento de Cristo numa casa normal, sem referências aos estábulos e animais.

O relato do episódio da ressurreição terá sido adicionado muitos anos depois ao texto original do evangelho, colmatando páginas supostamente desaparecidas para dar um final mais interessante ao relato que originalmente terminava com o relato do túmulo vazio.

Sabe-se que a compilação da bíblia tradicional católica romana resulta de ordens imperiais de uniformização dos vários cultos cristãos, que eram imensamente diversos e estavam espalhados especialmente pela zona oriental do império. De referir que foram muitos os livros e textos da época que foram retirados à versão final aprovada, isto porque detinham referências que, supostamente, não se conjugavam com a visão dos líderes religiosos cristãos no poder eclesiástico e nem com a visão política administrativa do Império Romano que via na uniformização religiosa uma ferramenta poderosa de gestão e estabilidade política. Ainda hoje existem várias versões da Bíblia com variações nos textos que inclui.

A postura e atitudes de Deus também parecem ir mudando ao longo dos textos, tornando-se mais benevolente à medida que a antiguidade dos textos diminui.

Todas estas referências são apresentadas como hipóteses viáveis no documentário, pelo que têm a grande vantagem de nos levarem à reflexão e a questionar. Só por isso vale a pena ver o programa, pois é uma maneira quase lúdica de aceder de forma introdutória a estes conteúdos, que habitualmente estão em formatos mais pesados.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

A nossa sociedade é mais acelerada?

Quando uma funcionária de uma livraria, que por acaso até é minha amiga, me recomendou Byung-Chul Han, por conhecer mais ou menos aquilo que me interessa ler, acabei por aceitar a sugestão e experimentar. A informação da contracapa despertou-me interesse, tanto pelo conteúdo como pelo autor. Tratava-se de livro “O Aroma do Tempo: um ensaio filosófico sobre a arte da demora”, da autoria de um filósofo contemporâneo coreano-germânico, professor na universidade de Künste Berlin (Artes de Berlin), especialista em Heidegger.

Retrato do Dr Gachet - Van Gogh

Byung-Chul Han propõe-se a contrariar a ideia de que vivemos atualmente de modo mais acelerado. Para ele isso é apenas uma ilusão resultante do modo como as sociedades se organizam e de como os indivíduos vivem as suas vidas. Esta sensação de aceleramento ocorre pelo efeito da atomização e da queda das barreiras que dividiam e estruturavam o nosso tempo. Apesar de fazermos e conseguirmos fazer muitas coisas em simultâneo não existem as pausas que nos davam a sensação de avanço gradual e/ou sequencial. Assim vivemos a nossa vida num contínuo de atividades e tarefas sobrepostas que não nos preparam para o fim, para a morte. É aqui que sentimos a influência de Heidegger em Byung-Chul Han, na consciência da mortalidade humana, de que da condição humana faz parte a inevitabilidade da morte: o “Homem é um ser para a morte” - tal como diz uma amigo meu.

Assim Byung-Chul Han refere-se então à aceleração ilusória que nos encaminha para a morte sem preparação, sem as pausas de contemplação, compostas de pequenos fins, que criam as defesas para a inevitabilidade do fim último: a morte.

Byung-Chul Han parece demonstrar um certo sentimento neoplatónico, ao fazer a apologia da contemplação como necessidade na criação das barreiras – um tempo de pausa - que dissipam a sensação de aceleração.

Passando para exemplos mais concretos. Hoje temos dificuldade, por exemplo, em definir até quando se é jovem ou quando se pode considerar alguém idoso. Reina um certo relativismo que tenta suavizar a velhice e a morte. Nas atividades poucos são os profissionais que se podem dar ao luxo de ter apenas uma tarefa ou actividade em mãos. Os horários flexíveis permitem realizar o individualismo, mas podem deixar as pessoas desamparadas perante as incertezas crescentes do mundo.

Só por nos fazer pensar nestas questões Byung-Chul Han merece ser lido. É seguramente um filósofo a seguir com atenção, com tempo para contemplar as suas palavras.


Referências bibliográficas:

Han, Byung-Chul - O Aroma do Tempo: um ensaio filosófico sobre a arte da demora. Lisboa: Relógio d'Água, 2016.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

A Máquina da Dívida e a ditadura dos credores

Recentemente, o canal Odisseia exibiu o documentário "Máquina da Dívida" da autoria de Laure Delesalle. Nele a autora faz uma sucinta análise sobre o modo como se foram construindo as dívidas dos Estados.
 
O Banqueiro e a sua mulher - Marinus Van Reymerswaeke
 
A autora, numa clara tendência económica e política anti neoliberal, resume a uma série recente de eventos históricos para estabelecer a origem das colossais dívidas públicas dos países desenvolvidos. Tudo terá começado com o fim do padrão-ouro aplicado ao Dólar, tornando-se uma moeda fiduciária, sem relação com as reservas federais de ouro dos EUA, em 1971. Terá sido o modo encontrado pelos EUA para emitir moeda necessária ao financiamento das dispendiosas guerras periféricas, mas que eram essenciais para a dinâmica da Guerra Fria. Posteriormente, os sucessivos efeitos das crises petrolíferas, iniciadas em 1973, com as escaladas de preços nas economias de consumo, completamente dependentes do petróleo, geraram grandes inflações, aumento generalizado dos preços, quebras de investimento, redução das poupanças e a necessidade de recorrer ao crédito para manter os níveis de vida crescentes nos países desenvolvidos.

Este terá sido o processo inicial, que passou a decorrer numa economia mundial globalizada e de intrincadas interdependências, que tornou os Estados, na construção e manutenção das suas políticas sociais e de bem-estar, completamente dependentes dos credores. A própria globalização económica terá contribuído para a dificuldade de controlo das dívidas futuras, pois nos anos 80 reforçou-se o otimismo nas políticas neoliberais que acentuaram as tendências de desregulamentação e redução do peso dos Estados na economia, tornando as dívidas soberanas cada vez mais suscetíveis de serem influenciadas pela especulação e pelos mercados financeiros internacionais flutuantes.

Segundo Laure Delesalle instalou-se a ditadura dos credores. Se na Idade Média os soberanos podiam contrair divida quase infinita aos credores para as suas dispendiosas guerras e projetos, pois podiam simplesmente recorrer da força para apagar literalmente as dívidas soberadas, atualmente os mecanismos de controlo são indiretos ou quase inexistentes. Mesmo que se apliquem medidas de austeridade, a carga de juros pode ser tão pesada que se torna insustentável pagar efeitvamente a dívida, contraindo-se novos empréstimos para pagar os empréstimos antigos e os seus juros. Por outro lado, hoje os credores perderam o rosto.


Podem ser obtidas mais informações sobre este documentário em: http://odisseia.pt/programas/a-maquina-da-divida/
 
 

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