É muito comum usar os termos participação e colaboração quase como sinónimos, por vezes mesmo como meros adjetivos em tentativas de descrever alguns processos de decisão pública como sendo abertos aos cidadãos. No entanto os dois conceitos são muito diferentes, convindo evitar o seu uso como mero floreado para adornar um qualquer exercício de poder público.
American Gothic - Grant Wood
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/American_Gothic
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Convém ir ler um pouco o que foi sendo escrito sobre isto. Podemos voltar a Arnstein (1969) que definiu a sua escada da participação, com 8 degraus crescentes de participação e decisão dos cidadãos: manipulação, terapia, informação, consulta, apaziguamento, parceria, delegação de poder, controlo cidadão. Notamos na base desta escada um poder manipulador do poder político e no topo um poder partilhado com os cidadãos. Creighton (1992) simplificou e definiu apenas 4 divisões: informação pública, em que os cidadãos são meramente informados das decisões; participação formal, devendo haver audição antes das decisões; consulta, com abertura e poder dos cidadãos para influenciarem a decisão; construção de consensos com os cidadãos, incluindo reformulações e ajustes até que se concorde com a decisão. Münster et al. (2017) simplificaram ainda mais, dividindo os processos de participação em três níveis básicos: informação, consulta e colaboração.
Estas breves referências servem apenas de enquadramento para percebermos que a participação pode ser muito diferente da colaboração. Participar podem ser uma atividade tão passiva como estar presente para ser manipulado pelo poder político representativo, segundo o primeiro nível da escada de Arnstein (1969), mas pode ser, numa perspetiva menos negativa, apenas uma forma de aceder à informação, embora sem possibilidade de intervir, segundo a abordagem de Creighton (1992) e Münster et al. (2017).
Assim, a colaboração relaciona-se com a construção de consensos, o que obriga a uma atividade de negociação, cedências e criação conjunta de novas soluções. Ou seja, na prática é algo que obriga a um processo propositadamente desenhado para esse efeito e que não ocorre naturalmente. Está muito além de uma mera comunicação ou explicação de uma decisão, obrigando a que se criem as metodologias para que as pessoas possam participar livremente e em igualdade, sem constrangimentos de poder. Normalmente uma dessas condições relaciona-se com o conceito de racionalidade comunicativa de Habermas (1981). Não basta juntar as pessoas numa sala e esperar que surja algo, um consenso e uma resolução.
Assim, devemos ser críticos de quem mistura deliberadamente os termos participação e colaboração, especialmente quando servem para manipulação dos ditos participantes. Não esquecer o primeiro nível da escala de Arnstein (1969).
Bibliografia:
Arnstein, S. (1969). A ladder of citizen participation. Jaip, 35(4), 216–224.
Creighton, J. L. (1992). Involving citizens in community decision making: A guidebook. Program for Community Problem Solving.
Habermas J. (1981), The Theory of Communicative Action: Reason and the Rationalization of Society. Boston: Beacon Press.
Münster, S., Georgi, C., Heijne, K., Klamert, K., Noennig, J. R., Pump, M., ... & van der Meer, H. (2017). How to involve inhabitants in urban design planning by using digital tools? An overview on a state of the art, key challenges and promising approaches. Procedia computer science, 112, 2391-2405.
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