quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Racionalidade Ignorante: somos ignorantes porque queremos

Na era da informação massificada, facilmente acessível e em tempo real, porque grassa tanta ignorância? Krek (2005) avança com uma explicação, ao dizer que as pessoas tendem a ser “racionalmente ignorantes”. Com isto quer dizer que fazem uma seleção com base no esforço necessário para conhecer ou dominar um certo assunto ou atividade. Como esse esforço pode ser grande, longo e sem trazer qualquer garantia de sucesso, podemos optar por ser ignorantes. 

Homens lendo - Goya
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Men_Reading#/media/File:Hombres_leyendo.jpg

E isto tende a ser cada vez mais comum porque o mundo está cada vez mais complexo. Tanto porque o conhecimento científico avança e tentar dominar apenas uma pequena área do saber pode ser um esforço pesado, se não mesmo impossível, podendo levar a uma vida inteira de estudo e investigação sem se chegar a esse objetivo. Por outro lado, os nossos contextos sociais estão mais complexos. A própria realidade é de uma profunda complexidade por todo o mundo. Estamos rodeados de problemas complexos, que se podem definir como aqueles para os quais existem múltiplas soluções possíveis sem existir uma solução ótima clara (Innes & Booher, 2016). De notar que o ótimo depende sempre do critério de avaliação, e que hoje em dia existem critérios imensamente distintos, de indivíduos para indivíduos. A complexidade de valores é imensa e variada.

Tendemos então a ser ignorantes em determinados assuntos e a escolher outros para nos especializarmos. O tempo é limitado e as solicitações cada vez mais. O critério de seleção nem sempre se guia pela busca de conhecimento ou aperfeiçoamento. Muitas vezes é simplesmente uma escolha pelo que dá mais prazer, algo muito tipico de sociedades livres, hedonistas, consumistas e do pós-modernismo, em que cada um se configura e reconfigura ao seu bel-prazer. Na verdade, não é bem assim, ou não é assim algo que se faça tão facilmente apesar de ser possível, porque as estruturas sociais têm efeitos e implicam restrições, ainda que sejam cada vez mais fáceis estes processos de escolha. Estes fenómenos ocorrem em redes, potenciadas pela tecnologia que escapam às delimitações territoriais (Castells, 1996), num movimento que podemos ver explicado pelo estruturalismo de Giddens (1984), que nos diz que tanto somos influenciados pela sociedade como a influenciamos. 

Então estão criadas as condições para sermos ignorantes por opção, porque racionalmente assim decidimos. Poderia pensar-se que o futuro a humanidade seria uma era de conhecimento gerado pela liberdade e acesso à informação, mas provavelmente será apenas livremente ignorante. Parece absurdo, mas pode ser tudo reduzido a uma questão de liberdade. Se antigamente, fruto do pensamento humanista e iluminista, a humanidade queria libertar-se para saber, agora liberta-se para poder escolher entre o saber e a ignorância.

Referências bibliográficas:
Castells, M. 1996. The rise of the network society. The Information Age: Economy, society and culture. Vol 1. Cambridge, MA: Blackwell.
Giddens, A. (1984). The constitution of society. Berkeley: University of California Press.
Innes, J. E., & Booher, D. E. (2016). Collaborative rationality as a strategy for working with wicked problems. Landscape and urban planning, 154, 8-10.
Krek, A. (2005), Rational ignorance of the citizens in public participatory planning. In 10th Symposium on information- and communication-technologies (ICT) in urban planning and spatial development and impacts of ICT on physical space, CORP 05. Vienna University of Technology: Vienna.

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