Platão, em algumas das suas obras, colocando as suas palavras na boca de Sócrates – enquanto uma quase “personagem” que substitui o próprio autor -, reflecte e teoriza sobre a alma humana, isto especialmente nas obras Fédon e República onde tenta comprovar a existência e a imortalidade da alma. Em ambas as obras, mas mais aprofundadamente no Fédon (ou da alma), Platão recorre a uma poderosa dialéctica – arte de convencer através do diálogo devidamente fundamentado e encadeado – para comprovar a imortalidade da alma, iniciando o debate com uma forte argumentação – um possível exemplo daquilo que mais tarde Aristóteles apelidaria de retórica lógica (ou tentativa disso).
A morte de Sócrates - Jacques Louis David |
Mas, à medida que a discussão – sendo Sócrates a “personagem” que na discussão defende a tese de Platão perante os demais intervenientes – se vai adensando e aprofundando o discurso e a dialéctica de Sócrates mudam. Não vou aqui focar os primeiros argumentos – verdadeira arte dialéctica – de Platão através da intervenção de Sócrates, mas os últimos por serem os mais surpreendentes e inesperados – se bem que intelectualmente menos conseguidos. Sócrates, a uma determinada altura, numa das suas intervenções, começa a fazer referências à mitologia, relacionando a com a alma. Já no final da obra essa relação é então completamente abraçada e evidente, sendo transformada na derradeira justificação para a imortalidade da alma – transparecendo a ideia de que houve uma desistência da argumentação lógica. No mínimo estranho este desfecho, especialmente se considerarmos que Platão era um acérrimo defensor da discussão com base em sólidos argumentos e não em opiniões infundadas ou difíceis de justificar. Mas se atendermos às limitações tecnológicas do saber de então, este tipo de recurso não é de todo despropositado. No entanto não deixa de ser estranho este caso pois, mesmo na Grécia do séc. V a.C. havia já quem contestasse a validade das análises mitológicas, ou seja, não era algo que Platão pudesse usar como uma verdade incontestável capaz de validar a tese a que se propunha.
Mas será que este desfecho de Fédon não terá sido propositado? Platão poderia simplesmente querer demonstrar que alguns temas e assuntos simplesmente não podem ser provados ou comprovados pela razão? Ou seria uma espécie de crítica aqueles que, mesmo iniciando um debate com forte oratória, baseada em argumentos logicamente encadeados, quando vêm os seus argumentos esgotados, invariavelmente, enveredam pelo recurso à mitologia e ao sobrenatural para justificarem a sua posição, não admitindo que são incapazes de compreender aquilo que inicialmente se propuseram a defender ou porque simplesmente não têm razão?
Bem, esta é mesmo só uma possível interpretação, pois o conceito de Alma que Platão descreve pode até ser visto como a própria razão que é toldada pelo “corpo”: senso comum. Bem, mas isso dava outra discussão.
Mas será que este desfecho de Fédon não terá sido propositado? Platão poderia simplesmente querer demonstrar que alguns temas e assuntos simplesmente não podem ser provados ou comprovados pela razão? Ou seria uma espécie de crítica aqueles que, mesmo iniciando um debate com forte oratória, baseada em argumentos logicamente encadeados, quando vêm os seus argumentos esgotados, invariavelmente, enveredam pelo recurso à mitologia e ao sobrenatural para justificarem a sua posição, não admitindo que são incapazes de compreender aquilo que inicialmente se propuseram a defender ou porque simplesmente não têm razão?
Bem, esta é mesmo só uma possível interpretação, pois o conceito de Alma que Platão descreve pode até ser visto como a própria razão que é toldada pelo “corpo”: senso comum. Bem, mas isso dava outra discussão.
Gostei muito do seu blog e virei sua seguidora.
ResponderEliminarParabéns pelo trabalho aqui no blog.
Já percebi que tem muita coisa boa por aqui.
Abraços.
Lidia de oliveira.
Excelente postagem, uma boa argumentação e elementos para discussão, quanto o blog, é preciso muito trabalho para criar algo tão rico, parabéns.
ResponderEliminarMuito obrigado. Quando o trabalho é por gosto não cansa - aqui é exactamente isso! Trata-se aqui de trabalho por gosto e um certo risco pois enveredar por alguns destes temas é uma verdadeira aventura, mas uma que devemos fazer pois, mesmo errando, aprendemos.
ResponderEliminarSerá que Platão colocou as suas palavras na boca do Mestre já para se responsabilizar, se o discurso dialéctico, não tivesse a aceitação por ele pretendida, com receio da crítica?:- "O autor do diálogo não sabe ao certo a razão que o impediu de assistir ao transe do homem que mais venerou e cuja memória exemplarmente remiu dos ultrajes, dos descréditos e das incompreensões que a conspurcavam, que pensar do significado real da sua obra e qual a objectividade da sua narração?
ResponderEliminarQuereria Platão, dar a entender que lhe não eram imputáveis as possíveis inexactidões do relato? Quereria ir mais longe, sugerindo que a urdidura da narração era fictícia?
Todas as respostas são possíveis por nenhuma poder edificar-se em alicerces sólidos e o problema da historicidade de Fédon dar margem a largas dúvidas (...)"
Eu acredito na sua última hipótese Micael, mas não como crítica... na linguagem corrente, para mim, Platão derrapou, através da boca de Sócrates...
Quanto ao seu comentário, sem risco não se aprende.
"Arrisque-se! Toda vida é um risco. O homem que vai mais longe é geralmente aquele que está disposto a fazer e a ousar. O barco da segurança nunca vai muito além da margem."
(Dale Carnegie)
Obrigada Micael, pelo seu blogue... obriga a raciocinar e ensina muito.
Eu é que agradeço, e gostava de lhe agradecer pelo seu próprio nome.
ResponderEliminarNunca saberemos ao certo o quis dizer Platão, mas podemos ler e reler as suas palavras, podemos pensar e repensar. Penso contribuir para nos fazer pensar já é sinal da sua genialidade.
Aqui o blogue são tiradas, recortes e pensamentos e ideias avulsas. A mim ajudam-me a pensar. Se consigo colocar mais alguém a reflectir sobre elas, nem que seja para as contrariar, dou-me por intelectualmente realizado.
É Micael... é sinal da sua genialidade sim, ele próprio se tornou um Mestre na imortalidade. E sim, Platão obriga-nos a pensar e a reflectir, embora a sua escrita seja um pouco, isto é, demasiado difícil, mas eu arranjo livros com um suporte e uma crítica já feita, de vários pensadores, filósofos... etc. Torna-se muito mais fácil perceber as suas ideias platónicas. :)
ResponderEliminarSabe... que o seu blogue é muito "sui generis", exactamente por ser como é... e sabe, ás vezes é bom que me contrariem... é que quando isso acontece, é meio caminho andado para o diálogo, ou como disse já um comentador, debate... eu acrescento: de ideias.
Um abraço.
Helena.
Muito obrigado pelas suas palavras Helena.
ResponderEliminarA discussão e debate - no bom sentido - para mim são essenciais como modos de mais aprender e sabedoria buscar. Daí o facto dos comentários serem aqui possíveis e de tentar sempre dar resposta a quem comenta.
Não há nada mais desagradável do que estar a dar um parecer e este ficar dependurado no vazio. Mas acredito, que muitas vezes deve ser difícil dar resposta. Ainda mais mérito tem.
ResponderEliminarNada disso, é sempre um prazer responder, especialmente quando isso obriga a uma resposta por vezes mais complexa que o próprio texto original. Desagradável é mesmo não receber comentários ;)
ResponderEliminar