sexta-feira, 13 de março de 2020

A Origem da Quarentena

Com a pandemia do COVID-19 a palavra quarentena entrou no nosso vocabulário diário. Atendo aqui ao intuito de partilha de conhecimento do blogue, muito dele de origem histórica, é pertinente investigar um pouco sobre a origem do termo. Assim podemos também usar o conhecimento histórico para refletir e introduzir outros assuntos que estão para além dele, neste caso sobre os métodos de controlo de pandemias.

Vista da Quarentena em Lyon - Jean-Michel Grobon

Foram várias as pandemias registadas na história. Casos de doenças contagiosas eram também motivo para medidas especiais de contenção de propagação, muitas delas associadas a medidas preventivas de higiene, mesmo em épocas como a Idade Média. Há que relembrar que existiam cudados de higiene na idade média e que as pessoas que viviam nessa época não eram indiferentes à higiene individual e pública (Magnunsson, 2013; Smith, 2008), embora estivessem longe dos hábitos atuais. A total falta de higiene e cuidado sanitário, e até uma tendência para imundice, durante a época medieval é um mito. 

Sabemos que os doentes com lepra eram ostracizados e forçados a viver à parte da sociedade medieval. Sabemos que esses doentes, tal como outros enfermos, eram colocados e forçados a permanecerem em locais foram das cidades, caso disso em Portugal são as "gafanhas"* topónimos que ainda encontramos pelo território nacional, mas que na era medieval se destinava a acolher e conter pessoas indesejadas e contaminadas. Sabemos também que muitos cercos a cidades e castelos eram vencidos mais pelas doenças que pelo confronto militar. Temos o caso do cerco a Lisboa em 1384, anterior à famosa batalha de Aljubarrota, que teve de ser levantado pelos castelhanos, uma vez que as suas tropas estavam a ser dizimadas por efeitos de “pestes”**. Foi a doença que salvou a capital do reino de cair em mãos castelhanas e permitiu continuar as guerras pela manutenção da independência.

Apesar destes hábitos antigos, a termo quarentena terá origem nas medidas de controlo de epidemias pela República de Veneza, especialmente da peste bubónica, conhecida como peste negra, de assolou a Eurásia e norte de Africa a partir de meados do século XIV. A primeira medida deste género foi tomada em Ragusa, atual Dubrovnik. Em 1377, o grande concelho da cidade, que era dominada pelo império ultramarino de Veneza, aprovou o trentino. Essa medida consistia em 30 dias de isolamento do barcos e respetivas tripulações que chegavam ao porto da cidade. Só depois desse período podia haver contacto com a população e feitas as transações comerciais (Mackowiak & Sehdev, 2002). Foi a forma encontrada para controlar contágios num império comercial. Não se sabe exatamente como dos 30 dias se passou para os 40, do trentino para o quarentino. Hoje sabemos que os tempos de segurança para prevenir contágio, tendo em conta os períodos de incubação, rondam os 28 dias para maioria das doenças, mas na época a adoção dos 40 dias pode ter tido uma razão religiosa, de influência dos 40 dias tipicamente utilizados e simbolismo importante na cultura judaico-cristã. O caso mais evidente é o da quaresma, com os seus 40 dias de duração (Ibem, Idem). 

Tudo indica que a quarentena seja uma medida muito antiga, fruto do conhecimento empírico e experimental que comprovou que os isolamentos sociais são a melhor forma de controlar pandemias e contágios de doenças desconhecidas. A razão da adoção dos 40 dias, que deu origem ao termo quarentena, pode ter então também uma influência cultural e religiosa. Hoje as quarentenas já não duram exatamente os 40 dias, dependendo de cada caso, mas os efeitos práticos continuam a ser exatamente os mesmos. 

Referências bibliográficas:
Magnusson, R. J. (2013). Medieval urban environmental history. History Compass, 11(3), 189-200.
Mackowiak, P.A. & Sehdev, P. S (2002). The Origin of Quarantine. Clinical Infectious Diseases, Volume 35, Issue 9(1), 1071–1072, https://doi.org/10.1086/344062
Smith, V. S. (2008). Clean: a history of personal hygiene and purity. Oxford University Press.

*Gafanha in Dicionário infopédia de Toponímia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2020. [consult. 2020-03-13 12:42:22]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/toponimia/Gafanha
**Crise de 1383-1385 in Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2020. [consult. 2020-03-13 12:44:32]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/$crise-de-1383-1385

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