sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

A fome dos Pardais na china de Mao Tsé-Tung e ignorância da ideologia

Mao Tsé-Tung conseguiu, com os seus camaradas, depois de uma longa guerra civil e dos efeitos da ocupação japonesa durante a 2.ª Guerra Mundial, implementar um regime comunista na China. Em 1949 Mao consegue juntar a presidência do partido comunista chines à da própria china. Intitulava-se como o Grande Timoneiro, implementando um regime totalitário onde o culto da personalidade do líder foi muito forte. Mao era, acima de tudo, um ideólogo e um doutrinador, tentando utilizar os ensinamentos marxistas para modernizar a China, numa relação nem sempre de cooperação com a URSS.

Poster da campanha "mata um pardal" - autor desconhecido

A China que Mao Tsé-Tung conquistou em meados do século XX ERA esmagadoramente rural e atrasa do ponto de vista tecnológico, a nível de desenvolvimento quase medieval, especialmente nas zonas rurais. Durante a década de 50 os resultados da governação de Mao não foram os esperados, por isso implementou aquilo a que chamou “O Grande Salto em Frente”, entre 1958 e 1962. Para ele uma das prioridades seria acabar com as 4 pestes: os ratos, moscas, mosquitos e pardais. Aos ratos e moscas atribuía a culpa de doenças e da falta de higiene. Os mosquitos relacionavam-se com a malária, e os pardais com as perdas das colheitas. 

Assim, em 1960 popularizou-se a campanha “matar um pardal”, que incentivava as pessoas, especialmente nas áreas rurais a caçar e matar pardais nos seus tempos livres. Foi uma matança enorme, que quase exterminou todos os pássaros da china. Mas ao eliminarem os pardais e muitas outras aves, eliminaram também os principais predadores das pragas de insetos que atacavam também as colheitas agrícolas. A china sofreu uma fome massiva que causou a morte de dezenas de milhões de chineses. Há estimativas de terem morrido de fome pelo menos 20 milhões de pessoas por causa deste erro, embora outras estimativas sejam muito mais dramáticas.

Atribui-se a Mao Tsé-Tung a frase “Prefiro um vermelho a um técnico”. Isto revela o pensamento de Mao, a desconfiança perante os intelectuais, os técnicos e quem detinha conhecimento aplicado, algo que se sentiria mais fortemente na época da “Revolução Cultural”. A sua ideologia e a sua doutrina estavam acima de tudo, de todos os conhecimentos e saberes, especialmente os técnicos e académicos. O ditador irritava-se facilmente com a crítica e com todos aqueles que discordavam dele. Foram várias as purgas e as perseguições. “O Grande Salto em Frente” foi um descalabro e Mao Tsé-Tung foi forçado a afastar-se do governo em 1962. Mais tarde, em 1966 voltaria ao poder, munido do seu “livro vermelho”, que era um compêndio de várias fases da sua autoria, pronto a fazer a famosa “Revolução Cultural” e que rapidamente passaria do ferver ideológico ao marasmo social. A supressão e afastamento da influência dos membros mais cultos, esclarecidos e conhecedores da vida ativa chinesa, substituídos assim pelo movimento popular miliciano da Guarda Vermelha, composta por fanáticos que se mostravam incompetentes nos assuntos da governação e produção, voltou a estagnar novamente o desenvolvimento do país. Essa tendência só se alteraria posteriormente com o retorno de Deng Xiaoping a partir de meados dos anos 70, que iria abrir a china e a sua economia ao mundo, mas mantendo o domínio do partido comunista chinês. 

Este episódio da história universal, tão estranho que quase parece uma ficção, demonstrou os efeitos catastróficos que podem surgir das políticas públicas dirigidas apenas pela ideologia política, sem recurso a conhecimentos técnicos e científicos. Foram eventos desta natureza que desacreditaram e continuam a desacreditar a ideologia política. No entanto, ainda assim, conhecemos casos de líderes políticos que continuam a lutar por convicções pessoais, sem demais fundamentos para além dos seus sistemas de crenças. 


Referências bibliográficas:


Li, W., & Yang, D. T. (2005). The great leap forward: Anatomy of a central planning disaster. Journal of Political Economy, 113(4), 840-877.

Peng, X. (1987). Demographic consequences of the Great Leap Forward in China's provinces. Population and development review, 639-670.

Roberts, J. A. (2011). A history of China. Macmillan International Higher Education.

Saada,  Philippe (2017) Mao, le père indigne de la Chine moderne, In Les coulisses de l'Histoire.
Cinétévé & Arte



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