A nós, “Ocidentais”, que vivemos em sociedades influenciadas e organizadas segundo alguns valores Judaico-cristão ou em sociedades que no passado se inspiraram neles, estranhamos e dificilmente compreendemos, apesar dos valores de liberdade e abertura democrática que abraçamos, outros modos diferentes de organizar e viver em comunidade. Um desses casos é o da organização familiar poligâmica, especialmente aquela praticada por Muçulmanos que vivem em países “Ocidentais” ou “Ocidentalizados”, pois são aqueles casos mais tangíveis e de onde a informação e o choque cultural nos chegam e tocam mais pela proximidade. No entanto, nesta, como noutras diferenças culturais e de valores, antes de tecermos juízos de valor, e mesmo que esse modo de vida possa ser totalmente oposto ao nosso estilo de vida, há que, de um modo o mais isento possível, tentar descortinar e investigar a razão de ser dessas opções e tradições.
ilustração da obra turca Siyer-i Nebi |
Uma das razões para a adopção da Poligamia pelo Islamismo, ao que tudo indica, deve-se a uma necessidade de resolver um problema do passado, de dar resposta, num jeito de acção social pragmática, através de preceitos religiosos e morais, a um grave problema social que afectou as primeiras comunidades que seguiam Maomé. Durante a expulsão de Meca em 622 d.C. os seguidores de Maomé acompanharam-no e estabeleceram-se em Medina, episódio conhecido com o Hégira. Na sua permanência em Medina os primeiros muçulmanos, ou maometanos, tiveram de suportar enormes dificuldades de toda a ordem, incluindo ataques constante, algo que deve ter contribuído para o fortalecimento da sua comunidade e adopção de normas religiosas e sociais específicas. Num estado de Guerra constante, especialmente depois das Batalhas de Badr e Uhud, o número de homens mortos em batalha causava graves problemas sociais. Nessa jovem comunidade muitas mulheres ficavam precocemente viúvas e com isso desprotegidas financeiramente num mundo violento, assente numa sociedade patriarcal, sendo especialmente preocupante a situação daquelas que tinham filhos ao seu encargo. A não resolução desta problemática poderia destabilizar e fazer colapsar socialmente esta nova comunidade, pois a economia real dependia da força dos laços familiares. Há que lembrar a importância da família enquanto organização que provia e efectuava uma verdadeira acção social, formal e informal, nas comunidades de então.
Segundo reza a tradição Islâmica, foi depois da batalha de Uhud que foi revelado a Maomé a vontade de Alá em permitir a Poligamia, desde que obedecendo às suas prescrições sagradas, tornando as famílias ainda mais alargadas. Isso permitiu a um seguidor de Maomé casar com 4 mulheres, desde que lhes pudesse prover todas as necessidades e de igual modo a todas, sem discriminação e na mais estrita equidade. Excluindo-nos aqui do debate religioso, podemos considerar esta orientação e regulamentação como uma precoce medida de acção social, um modo bastante eficaz de solucionar um problema bem real e preocupante para a época.
No entanto, à luz dos nossos valores Ocidentais contemporâneos, dificilmente podemos aceitar este costume ou tradição. Mudaram-se os tempos, evoluiu-se bastante em alguns aspectos (pelo menos por cá no Ocidente), inclusivamente na igualdade de género – apesar de muito ainda haver para resolver rumo a esse ideal.
Situações e casos como o da Poligamia, que apesar de terem desempenhado um papel importante no passado enquanto medida de acção social, hoje são vistos como costumes profundamente discriminatórios e de subjugação de género. Através deste exemplo podemos também reflectir sobre os impactos que podem ter os dogmas religiosos, especialmente se forem seguidos sem serem questionados, sendo que muitos só se formaram como tal devido a necessidades sociais e individuais bem reais do passado, mas que hoje podem já não fazer sentido de um ponto de vista utilitário e pragmático, ou até, em casos extremos, ser prejudiciais, tendo em conta outros valores e conhecimento mais recentes.
Sinto que devo pedir desculpa a quem leu este texto assim que foi colocado aqui no blogue. Ontem foi um dia complicado e só depois reparei na quantidade anormal de gralhas que o texto continha.
ResponderEliminarAqui está a prova que começo mesmo a precisar de férias...
ResponderEliminarA Poligamia Muçulmana pode mesmo ser uma medida de acção social, mais do que uma religião, na época.
ResponderEliminarO texto fala sobre a guerra, sobre a economia, a família e finalmente insere sobretudo na questão de acção social. É neste aspecto que vou inserir-me!
A poligamia desempenhou e, ainda desempenha um papel muito importante na religião muçulmana. Esse modo de vida é completamente oposto ao dos ocidentais, não aceitamos este costume e tradição. É uma prática muito antiga e o Alcorão permite a poligamia e porquê? Existem lugares e épocas em que por razões morais e sociais compelem para a poligamia.
Actualmente, o mundo possui mais armas de destruição do que em qualquer tempo houve e as igrejas europeias podem ser obrigadas a aceitar a poligamia como um caminho a seguir.
O número de casamentos poligâmicos no mundo muçulmano, é muito menos do que nos casos monogâmicos, no mundo ocidental.
O Islão permitiu a poligamia como uma solução para os males sociais.
No ocidente faz-se um estardalhaço sobre a monogamia, mas, na verdade, eles praticam a poligamia. E como isto acontece? Ninguém ignora a existência das amantes na sociedade ocidental.
Para finalizar, só posso dizer que o Islão tem aida muito para oferecer à mulher de hoje, vejamos: dignidade, respeito e protecção em todos os aspectos da sua vida, equilíbrio para todas as nercessidades espirituais, intelectuais e emocionais.
Abraços,
Lumena
Não sei se aceitar a poligamia será uma obrigação. Mas, numa altura em que se pensam em novas formas de casamento, provavelmente é um debate que até faz algum sentido. Mas sendo sempre como poligamia atendendo aos dois géneros.
ResponderEliminarPoligamia não faz de todo sentido na nossa sociedade, aqui refiro-me à Portuguesa, e não à "Ocidental". Não faz sentido pelo premissa de que não é porque uma minoria não representativa ao nível interno, ou uma maioria absoluta numa outra região do Mundo, pratica ou deixa de praticar algo que a devemos adoptar! Esse tem sido exatamente um dos grandes problemas da nossa sociedade, o copiar só porque vem de fora,é diferente ou algo incrivelmente novo! Mas isso são outras aventuras, aqui, falando na poligamia no contexto história que falaste Micael, interessa também recordar que na idade antiga, direi pré Império Franco, não existia de facto uma norma social rígida e universal a seguir. Variava consuante a contextualização cultural e geográfica.
ResponderEliminarNo caso da península arábica, não podia concordar mais contigo, e até lembrava como era comum nessa região a poligamia entre as tribos autóctones. Eu aqui falaria mais numa elevada perspecácia de Maomé, política mais que social, de absorver algo que era comum, e em simultâneo apaziguar algumas hostes!
Sem dúvida uma das várias evidências quando à astúcia e capacidade de liderança de Maomé.
Edgar
Mas no Direito Romano a Poligamia a poligamia não era aceite, ou estarei enganado?
ResponderEliminarQuanto às minorias, bem, não será defensável vedar-lhe certas liberdades quando isso não traz qualquer implicação para os demais. Uma questão de liberdade e respeito pela diferença.
Podemos referir-nos ao surgimento da poligamia como uma espécie de resposta social a um determinado contexto socio-politico-economico da sociedade muçulmana, é certo e ninguem discute.
ResponderEliminarContudo, é preciso denotar que isso só foi possível por se tratar de uma organização social do tipo patriarcal. E esta situação mantém-se nos dias de hoje... Não nos devemos abstrair da componente de género que é tão importante nestas questões! Só é legitimada a poligamia no masculino e isso não passa de um prolongamento mascarado do que é o exercício do poder e controlo dos homens sobre as mulheres.
Enquanto a sociedade se mantiver patriarcal, independentemente de ser oriental ou ocidental, de índole muçulmana ou cristã, este tipo de situações serão entendidas, reproduzidas e encaradas com naturalidade, uma vez que a condição feminina não corresponderá em nada à condição masculina...permancendo muito aquém no que se refere aos direitos e deveres consagrados...
Posto isto, a poligamia não é mais do que uma das faces do patriarcado.
Apesar da útil resposta social que adopções como esta tiveram no passado, hoje podemos, em alguns casos, afastar dogmas e deixarmos algumas tradições capazes de gerar injustiça e desigualdade de lado. Mas claro, cada caso é um caso.
ResponderEliminarNão era legal a poligamia em Roma, mas era socialmente aceite, como sabes, as relações extraconjugais, inclusive como menores, sobretudo no caso dos homens. Se é que podemos chamar relações no sentido que hoje atribuímos.
ResponderEliminarComo queria deixar claro, refira-me também na primeira aparição, que há que estabelecer o que é uma minoria e quando esta passa a ter representatividades... uma problemática própria.
Sim patriarcal, mas ainda ligeiramente matrilinear, é dizer, na busca pela igualdade as mulheres conseguiram alguma equidade social, mas ao abraçá-la estão a perder gradualmente a sua maior força, a sua influência familiar que advinha da matrilinearidade.
Todas as mudanças estruturais da organização familiar e social trazem alterações positivas, negativas, e efeitos imprevistos... sobretudo para quem não está consciente do verdadeiro poder e influência da mulher e o seu papel político e social na história, mesmo a não ocidental.
Edgar
Sim, em Roma, especialmente nas classes altas as relações extra conjugais eram comuns. Mas não será hoje também por cá. Falava mesmo de questões legais e do que era defendido pela lei, quer fosse na forma de Direito quer na forma do ideal do ponto de vista moral. Bem, mas isso da extraconjugalidade já seria uma nova discussão.
ResponderEliminarQuanto às mulheres estarem a perder o poder, bem, a nível familiar até que pode ser verdade em alguns casos. No entanto felizmente agora vão ganhando a sua emancipação e a possibilidade de escolherem qual o tipo e que poder que querem ter na sociedade, não sendo forçadas apenas a esse "poder" familiar.
Eu diria que não podem escolher, era esse o meu sentido, tal como antes não podiam... eu diria que o poder familiar é o mais forte de todos.
ResponderEliminarA base da sociedade é a família, quanto mais simples mais sólidas são os seus alicerces. Enquanto espécie queremos garantir a nossa sobrevivência, mas enquanto individuos, sobretudo modernos, procuramos a nossa independência. Não é possível garantir uma sociedade estável, equível e segura quando esta está empregnada de base, por exemplo, de inúmeras formas diferentes, seja poligamia, poliandria, monogamia, pseudo-monogamias, ou mesmo homosexualidade, heterosexualidade, etc. A variedade enaltece a riqueza, é verdade, mas não significa que garanta sustentabilidade, equidade, e segurança para a essa sociedade!
Exemplos não faltam, o mais evidente é que quão mais dependente é uma sociedade dos seus membros menor a variedade e riqueza de modelos familiares, sexuais, etc., o contrário é também comum.
É uma falácia comum, confundir-se liberdade com justiça, igualdade por equidade, e variedade por emancipação.
Dando a volta ao texto, poligamia sim, dependendo do contexto, monogamia sim, igualmente, por ai. Este é um tema que enquanto antropólogo me apraz muito, saúdo a escolha!
Edgar
Edgar
Sei que agora vou fugir ligeiramente ao tema da poligamia, mas já tive oportunidade de o comentar acima...
ResponderEliminarÉ que as questões que estão agora a ser debatidas variam em função dos valores individuais...e, de facto, se para uns/umas as mulheres acabam por perder ao abraçar a emancipação, para outros/as isso significa que estão a subir nas escadas do caminho traçado para a Igualdade e Justiça. Não sei se sou desses/as que confudem Igualdade com Equidade e Justiça com Liberdade...mas confesso que sou activista pelos Direitos Humanos, que passam precisamente por alcançar um patamar em que todas as pessoas, independemente do sexo, religião, orientação sexual, etnia, têm direitos e deveres, responsabilidades, oportunidades iguais.
Cada um/a deve sentir-se bem consigo próprio/a, escolher o caminho individual e o poder que deseja abraçar. E, daí, para muitos/as o principal poder residir na esfera familiar e para muitos/as outros/as isso não acontecer.
Mas, mesmo partindo do pressuposto que o poder familiar é o mais importante, então, homens e mulheres têm de ter a mesma oportunidade para usufruir desse mesmo poder. Porque é que apenas as mulheres devem ser responsáveis pela esfera privada e familiar? Não terão os homens importantes e imprescindíveis contributos para essa esfera? Não terão as crianças o direito de viver em pleno e lado a lado com o pai e mãe?
A meu ver, tudo isto para por uma questão de Direitos. E, se as mulheres devem emancipar-se (se assim o desejam), abraçando cada vez mais desafios políticos, sociais, profissionais e culturais, os homens devem envolver-se na educação dos/as filhos/as, na vida familiar e doméstica, no cuidados aos/às seus/suas ascendentes.
Boas de novo...
ResponderEliminarSem dúvida concordo contigo (se me permites a segunda pessoa!). Pena não caber aqui todos os pontos que merecem menção. Ao apontar a importância do poder do núcleo familiar, se o chamar-mos assim, não significa como dizes que apenas a mulher merece esse espaço, ou que é da sua exclusiva responsabilidade! Subscrevo com naturalidade esse ponto muito importante e que merece a nota que fizeste!
Em simultâneo, num outro post do Micael poderíamos aprofundar essa temática dos Direitos Humanos, o que são de onde vieram e para que servem... até então!
Edgar
A poligamia subdivide-se em 2 espécies. O casamento de um homem com várias mulheres chama-se poliginia. O casamento de uma mulher com vários homens chama-se poliandria. Tanto num caso como noutro existe uma submissão das mulheres aos homens.
ResponderEliminarConsiderar essa desigualdade injusta será uma juízo etnocêntrico e meramente derivado de valores ocidentais ou um juízo justificado por valores universais, como os direitos humanos e o respeito pela autonomia de cada pessoa? Haverá valores universais? Os defensores do relativismo moral consideram que não e que os direitos humanos são, na realidade, direitos ocidentais.
Muito obrigado pela partilha Carlos. Efectivamente tendemos a supor que a nossa visão ,enquanto ocidentais, é universal. A questão dos direitos Humanos é uma delas.
ResponderEliminarTalvez pelo meu passado marxista e pela minha formação em antropologia eu não acredito em relativismo cultural. A verdade é que há linhas de desenvolvimento humano e cultural que leva as pessoas a adoptar soluções similares. Os povos europeus também forma poligâmicos no passado e a evolução económica e cultural fê-los adoptar a monogamia. Se olharmos para o mundo actual, não é por acaso que os povos que praticam a poligamia são também os mais baixos em índices de desenvolvimento humano (de acordo com a ONU) e cultural. Não há muito tempo circulou na imprensa um relatório da UNESCO em como os países muçulmanos estão tão atrasados em conhecimento (cultural e tecnológico). Não me venham pois falar de relativismo cultural como se fosse OK matar mulheres à pedrada, condenar à morte crianças (no Irão condenam-se raparigas à morte desde os 9 anos), cortar o clitóris e os lábios vaginais das meninas para não terem prazer sexual, decepar mãos por pequenos furtos, etc, etc, é longo o historial de aberrações culturais e de sofrimento.
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ResponderEliminarEsses aspectos que nós ocidentais condenamos - pelo menos a maioria de nós - são resultado de diferenças culturais e de valores. Agora não sei se isso significa que sejam culturas inferiores, deixo isso aos especialistas. Podemos pensar que existem valores universais, isso seria agradável e útil, mas seriam sempre universais de acordo com a nossa própria cultura. Mas, e se, pegando nas palavras de Vicente Tavares, a nossa cultura fosse uma das ditas inferiores?
ResponderEliminarQue/qual cultura? Que/qual parte dessa cultura? Eu diria sucintamente que a nossa cultura 'portuguesa', como resultado do cruzamento de múltiplas outras culturas, num contexto histórico de 850 anos, é particularmente rica, aqui entenda-se complexa! É dizer, superior complexidade não significada uma classificação hierarquica! Em termos últimos essas eventual hierarquia, se a desejamos, depende mais de contextos político-económicos do que culturais, serão os 'vencedores' que escrevem a história. Um exemplo cabal é a China, milhares de anos de domínio cultural na Ásia suprimidos nos últimos 300 anos, e que novamente, regressa ao grande palco que merece, merecendo-o jogando e vencendo no tabuleiro da economia/política mundial!
ResponderEliminarEdgar
Marx, no Modo de Produção Asiático já estudava as diferenças evolutivas da Europa e Asia, mas perguntem a qualquer chinês se ele não gostaria de falar livremente, expressar a sua opinião sem medo de ser preso ou fuzilado, se não gostaria de viver sem ser encarcerado arbitrariamente. Perguntem aos sobreviventes de Tianamen, perguntem ao actual Nobel da Paz. Parece que o desejo de Liberdade passa por todos os povos. Quem dita a evolução da espécie humana são os povos que melhor solucionam os problemas da sobrevivência e da convivência social.
ResponderEliminarO Micael deixa-se influenciar pelo "políticamente correcto".
ResponderEliminarPelo contrário, quero acreditar que pelo "meu modo de estar" a minha "politica" é que se torna mais "correcta". (nunca tinha usado tantas aspas na mesma frase)
ResponderEliminarComo mulher ocidental só tenho de me congratular por aqui se encarar a poligamia como um costume discutível,indesejável e bárbaro, que não faz mais do que acentuar a inequidade do duplo padrão de conduta das sociedades patriarcais. Claro que as nossas monogamias ainda toleram o duplo padrão, mas mesmo assim tolerar não é o mesmo que aceitar legalmente uma situação.
ResponderEliminarDe resto se um homem pode ter várias nmulheres seja na poligamia seja na monogamia isso é apenas o reflexo da assimetria de poder entre homens e mulheres que ainda existe nas nossas sociedades e que só prova como ainda estamos tão longe da igualdade de género.Claro que é muito conveniente para um homem poligamo ter o aval da religião e como foram os homens a criar as religiões não foi dificil encontrar esse aval, que se limitaram a criar invocando a autoridade da divindade, tudo muito, mas mesmo muito conveniente!!
Se calhar a horrivel pratica da ablação do clitoris está ligada a pratica da pligamia, como meio de assegurar que a mulher não se vai interessar muito por sexo e o homem pode «servir-se» sem receio de ser traido. o que deveria acontecer pois não vejo como um homem pode satisfazer sexualmente quatro mulheres saudaveis, o problema só será resolvido se elas não forem sexualmente activas.