O Jovem Karl Marx é um daqueles filmes que toca no género documental. Embora com elementos romanceados, para criar dinâmicas na narrativa que garantam o entretenimento dos espetadores, tem muito mais que isso. As personagens desempenham muito bem os seus papeis, no sentido em que conseguem entrar na complexidade das relações humanas, que vão ocorrendo em múltiplas línguas. Marx e Engels são bem encarnados, embora de forma a que nos mereçam uma simpatia que pode estar amplificada. Mesmo assim, o seu idealismo está patente, não no idealismo filosófico do termo, mas como pessoas que seguem ideais de forma apaixonada, apesar de as querem tornar científicas, enquanto arriscam múltiplas aventuras físicas e intelectuais.
Fonte da imagem: https://filmspot.pt/filme/le-jeune-karl-marx-400020/ |
Ensinar a doutrina marxista não é fácil. Tenho passado por essa experiência sempre que alguém me pede ajuda para os exames nacionais de História A de 12.º Ano. Compreender o marxismo é uma daquelas coisas essenciais para compreender a história do século XX e quem sabe dos seculos seguintes também. Isto a propósito do filme, porque aí se explicam as relações tumultuosas de Marx com os restantes socialistas, a quem chamava utópicos. É um facto curioso, pois tantas pessoas criticam hoje o comunismo por ser solidamente utópico. No entanto a dialética materialista ou socialismo cientifico desenvolvido por Marx continuam a ser imensamente importantes. São incontornáveis, pois temos de compreender os contributos de Marx para a sociologia, economia e ciência política. Novas formas de marxismo continuam a ser desenvolvidas, e mesmo os críticos têm inevitavelmente de o citar para ir além dele, enquanto o tenta refutar.
Em O Jovem Karl Marx assistimos ao processo de construção do pensamento marxista, que foi o primeiro a dizer que o modo como os indivíduos vêm a sociedade depende da sua posição histórica e social. Parece obvio, mas na altura não era. Vemos também as questões da exploração dos operários, no período anterior às revoluções que se iniciaram em 1848 e que iriam alimentar nacionalismos, lutas por igualdade e liberdade pelo mundo fora nas décadas seguintes. Esse período seria conhecido como a primavera dos povos. Embora no filme me pareça que a importância do manifesto do partido comunista seja exageradamente associada às revoluções de 1848. Mas isso ajuda a perceber a importância dos novos movimentos socialistas inspirados em Marx, que iam além dos idealismos dos socialismos ditos utópicos, porque lhes faltava uma filosofia de base sólida e soluções para o futuro. Marx não se contentava em identificar as injustiças da sua época.
A filosofia marxista provou ser tão sólida que ainda influencia o mundo académico e político, enquanto que os outros socialismos, à exceção da vertente democrática, converteram-se em curiosidades excêntricas, embora alguns tentem ser reinventados – caso do anarquismo em algumas formas de democracia direta e deliberativa A personagem de Marx no filme vive entre constantes conflitos com os restantes pensadores e a busca pelo conhecimento, ou não defendesse uma solução revolucionária, inevitavelmente violenta, no processo da luta de classes pela apropriação dos meios de produção, que era de onde vinha o poder político e também todas as injustiças de classe que queria derrubar. Marx vive obcecado pelo capital enquanto objeto concetual de trabalho, enquanto tem dificuldade em o reunir para sobreviver com a sua família. Não fosse Engels, na sua situação social e económica paradoxal, dificilmente Marx se tinha transformado na importância que hoje tem.
Penso que o filme permite introduzir todas estas coisas, através de bons desempenhos dos autores, cuidado na apresentação dos conteúdos que podem ser complexos, mas com ritmo e ação num contexto de época credível.
Sem comentários:
Enviar um comentário