terça-feira, 20 de março de 2018

Como os câmbios serviam para esconder o pecado de cobrar juros

O sistema bancário, como hoje o conhecemos, terá nascido da ação dos banqueiros das cidades-estado independentes italianas, dessa complexa rede de bancos, famílias e sucursais. Este sistema lidava com muitas moedas, dentro e fora do espaço da península itálica. A conversão do cambio, com as suas múltiplas taxas entre moedas, diferindo de local para local, era transposta para as letras de crédito. Já se recorria a papeis devidamente reconhecidos para transferi dinheiro entre instituições, credores e devedores – algo que os cavaleiros templários se tinham especializado antes de serem perseguidos.

A Calúnia de Apelles - Sandro_Botticelli

Mais que uma mera conversão de moedas, o câmbio era um modo evitar a sansão canónicas da Igreja católica – algo que não se podia ignorar. Para a igreja católica a usura era um pecado grave, atividade típica dos judeus e outros que se tornavam impuros por venderem dinheiro aos olhos da doutrina dominante. O câmbio e o recâmbio camuflavam no os empréstimos e respetivas taxas de juro cobradas. Os fluxos complexos que os capitais assumiam, com contínuos câmbios e recâmbios entre várias sucursais, com alguns testa-de-ferro no meio do processo faziam perder o rasto para uma análise quanto ao pecado da usura [1].

No entanto este método implicava imensos riscos, pois dependia do valor espectável de cada moeda no futuro, sendo altamente arriscado efetuar estes câmbios e recâmbios com moedas instáveis para ocultar juros de empréstimo a longo prazo. Os principais bancos tentavam colocar representantes e abrir sucursais nas principais praças para estarem perto dos mercados e dos decisores políticos, de modo a poderem influenciar decisões e atividades que fizessem variar a economia e tesouros que se relacionava com cada moeda. A circulação de informação era constante, para que se pudesse mitigar riscos e tomar medidas e ações políticas e económicas em tempo útil. Não é por isso de estranhar que os Medicis, principais banqueiros de Florença, depois de toda a Itália e da Europa tenham conjugado o poder económico com o poder político, especialmente depois de se transformarem na agência bancária do Papa. Acediam assim também facilmente a toda a europa, no sistema paralelo de propriedades e tesouro da Igreja. Um sistema que se sobrepunha e cruzava com a rede de cidades-estado, bancos, instituições, redes de comércio, reinos impérios do mercado europeu medieval, quase sempre bastante atomizado até ao início da Idade Moderna.

Posteriormente, com o movimento protestante fortemente influenciador no centro e norte da europa, a prosperidade financeira deixou de carregar uma conotação negativa. Prosperar economicamente para os protestantes passou a ser um ato digno de um bom cristão, mesmo que fosse a operar nos mercados financeiros, desde que de forma legitima. Terá sido esta mudança a inspirar Max Weber e a sua obra, em que desenvolveu a teoria da relação do protestantismo com o espírito do capitalismo [2]. O que não impede que o capitalismo, pelo menos numa forma precoce, tenha começado em Itália ainda na Idade Média e sob domínio religioso católico.

Assim, a complexidade do sistema bancário e financeiro vem de há muito tempo. A relação entre economia, política e religião também.

Referências bibliográficas:

[1] Delumeau, Jean (2007). A Civilização do Renascimento. Edições 70.

[2] Weber, Max (2015). A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Editorial Presença.

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