segunda-feira, 28 de junho de 2010

Anacronismo no cinema histórico, uma necessidade ou opção?

Sempre que sai um novo Histórico, um filme baseado, inspirado ou passado numa época Histórica específica, tento assistir. Sou impelido pelo gosto que tenho por História e Cinema – o que pode dar uma conjugação perfeita no meu entender-, mas quase sempre dou o tempo por mal empregue e o sentimento de frustração à saída da sala de cinema, ou quando desligo o leitor de DVD, tem sido a regra. Provavelmente sou demasiado exigente. Provavelmente poucas pessoas partilham o gosto por uma fidelidade, o mais que possível, ao rigor do ambiente Histórico, mesmo que em cinema para as massas - onde me incluo obviamente.
 
A persistência da memória - Dalí
 Sinceramente não me parece que a falta de rigor e os constantes anacronismos sejam uma necessidade para tornar os filmes Históricos mais interessantes. Isto porque existem produções de sucesso realizadas de modo bastante fidedigno, pelo menos de acordo com os conhecimentos Históricos mais actuais, com pareceres e acompanhamento técnico de especialistas.
 
Quando falo em anacronismos refiro-me à presença de elementos, comportamentos e sentimentos estranhos à época histórica que serve de fundo, de “coisas” que não poderiam acontecer naquele contexto e que não são próprios daquele período Histórico. Algo erróneo mas comum é transportar sentimentos, quer individuais quer colectivos, contemporâneos para outras épocas Históricas, dando a sensação de que valores e comportamentos, especialmente aqueles considerados como correctos actualmente, não mudaram e sempre foram tidos como os “certos”.
 
Sei que faço aqui uma série de generalizações pois há bons "históricos", filmes onde houve a preocupação do enquadramento Histórico. Mas infelizmente isso não é a regra. A título de exemplo apresento de seguida alguns casos muito concretos para que se torne mais fácil ver como podem ser comuns os anacronismos e erros históricos:
  • Sentimentos patrióticos repletos de referências nacionalistas em plena Idade Média Feudal, onde o sentimento de Estado e Pátria era dúbio, valendo o sistema de senhorios e vassalagem;
  • Escravos a construírem as pirâmides, quando sabemos que eram trabalhadores especializados e pagos para o efeito.
  • Sentimentos de Humanismo (liberdade, igualdade, etc.), nas suas várias formas, em épocas onde tal orientação e sentimento não tinham sido ainda desenvolvidos, ou não havia tal consciência, e por vezes até iam contra a moral, costumes instituídos e sentimentos individuais e coletivos.
  • Erros e a inconsistência de cariz militar absurdos especialmente evidentes nas batalhas épicas onde se usavam armas de corte, pois representam-nos repletas de lutas individuais, sem qualquer lógica de conjunto ou respeito pelas táticas e modo de utilizar as armas em causa.

Estes anacronismos, tal como muitos outros não referidos, poderiam ser evitados, escusando a divulgação de ideias falsas sobre épocas específicas da nossa História. Isto é válido para qualquer filme, mesmo que o seu objectivo principal não seja o de “ensinar” ou “formar”, especialmente porque através do cinema apreendemos e aprendemos involuntariamente informação e saber.
 
Se o cinema difunde conhecimento de um modo involuntário e automático, deve então, sempre que possível, no caso dos filmes Históricos com épocas reais e não fictícias, atender-se à coerência Histórica evitando a desinformação e a consequente contra-informação. Não falo do enredo ou argumento em si, mas dos contextos e da envolvente dos próprios filmes, caso contrário todos os filmes Históricos de ficção teriam de ser documentais. Ou então não os apelidem de Históricos, chamem-lhe apenas ficções.

4 comentários:

  1. Eu gosto do debate, mas tenho opinião contrária a sua. Cinema é arte, e como tal a preocupação primeira de qualquer roteirista/cineasta deve ser com a realização artística, não com a História. Um filme anacrônico pode suscitar interesse pelo período "retratado", o que pode fazer com que mais pessoas se interessem por História e acabem descobrindo os anacronismos por si.
    História é para as publicações voltadas para divulgação, para livros historiográficos, para sala de aula.
    Sou professora de História e uso cinema, séries de TV para suscitar o debate: falo do produto, falo quais são seus anacronismos. E no momento em que falo deles a atenção dos alunos fica maior, justamente porque essas produções suscitaram interesse.

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  2. Compreendo perfeitamente o que diz. No entanto, mesmo sendo o Cinema uma forma de Arte também é uma forma de transmissão de saber, daí o "utilizar" como ferramenta de ensino.
    O problema é que quando o cidadão comum, não académico ou estudante, vê um filme Histórico dificilmente irá investigar ou ter uma formação ou aula sobre o assunto para identificar os ditos anacronismos. O mais provável é assistir à obra cinematográfica sentado no seu sofá na mais relaxada das tardes, e, mesmo que não tome o filme como documental, algumas das ideias transmitidas podem ficar registadas na sua mente podendo facilmente originar a confusão e a deturpação de anteriores conhecimentos Históricos factuais. Mais grave ainda quando o filme apresenta a célebre expressão: “Baseado em Factos reais”.
    Podendo ter filmes Históricos sem anacronismos, ou com o mínimo possível, sendo que isso não limita o espírito criativo do argumento, não vejo porque continuar com eles. Muitas vezes dá-me a sensação que é por mera despreocupação e desinteresse pela História que se descura assim algo que considero uma das características que pode dar ou não qualidade ao cinema Histórico. Será que somos tão permissivos para com as outras questões técnicas (desempenho dos actores, os cenários, a fotografia e o som) tal como por vezes somos para com a coerência do argumento, que no caso dos Históricos depende invariavelmente do rigor Histórico do ambiente e contexto físico e humano?

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  3. Milhões de pessoas julgam hoje que o Salieri era um compositor sem talento e roído de inveja do Mozart, e que foi ele que encomendou o Requiem. Ouvi a música do Salieri e é muito bonita, embora não seja nenhum Mozart.
    Acredito que as liberdades "criativas" nos argumentos de filmes históricos resultam de um cálculo oportunista sobre a ignorância do público.
    Outro aspecto dos filmes onde a falta de realismo é gritante é a sonoplastia. Vé-se um canhão a disparar a um quilómetro e ouve-se um som seco de imediato. Quando ouvir num filme o som retardado e cheio de ecos como é na realidade, ficarei maravilhado.

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  4. Sem dúvida, a sonoplastia é algo correntemente descurado. Embora em alguns casos seja defensável para conforto auditivo do cinespectador.

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