quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Origens da cooperação: os indíviduos ou as normas sociais

Um artigo científico recente, com destaque online da revista Science News,  propõe algo de novo sobre o desenvolvimento dos processos de colaboração sociais, tendo em conta aquilo que se pensava serem as origens dos processos de colaboração sociais que levaram à atual complexidade das sociedades humanas. 

A marcha da humanidade - David Alfaro Siqueiros
O artigo, de Kristopher M. Smith, Tomás Larroucau, Ibrahim A. Mabulla e Coren L. Apicellada  refere a experiência realizada com o povo Hazda, cuja organização social e modo de vida se aproxima das primeiras sociedades de caçadores-recolectores, associadas aos primeiros estágios de desenvolvimento que terão estado na origem das atuais sociedades humanas. Os autores concluíram que não são os indivíduos que definem o modelo de cooperação, ao contrário do que é o pensamento generalista vigente sobre o desenvolvimento dos processos de partilha e interajuda social. Segundo os autores, são as normas sociais que definem os níveis de cooperação e não os indivíduos isoladamente. Na experiência realizada e sistematizada no artigo, indica-se que os indivíduos do povo Hazda apresentavam comportamentos que sustentam esta ideia. 

Sendo caçadores-recolectores, os Hazda circulam livremente em territórios extensos, de onde recolhem os recursos necessários à sua sobrevivência. Assim, movimentam-se ciclicamente e regularmente entre diversos locais que assumem formas de estabelecimentos permanentes no território, acessíveis a toda a comunidade. Registou, através de uma experiência semelhante a um jogo de partilha, que os indivíduos que circulavam de campo em campo adaptavam o seu comportamento às normas de cooperação sociais desse campo. O mesmo individuo era muito mais cooperante e partilhava  o resultado das recolhas de alimentos e caçadas nuns campos e comunidades que noutros. Nesses campos onde o sistema de partilha e cooperação era mais intenso, existiam mais normas de regulamentação sociais que fomentavam a cooperação, e que se precaviam de eventuais oportunistas.

Estas descobertas e conclusões parecem simples, mas as implicações são imensas. Significa que a personalidade de partilha ou não partilha individual pode não ser a dimensão mais relevante para o sucesso do desenvolvimento da cooperação social. As sociedades mais cooperantes tendem a estabelecer normas de regulação desse funcionamento coletivo, incluindo sistemas para se precaverem dos indivíduos que queiram aproveitar, sem contribuir, desses sistemas de cooperação. Ou seja, mesmo que os indivíduos que não sejam naturalmente, pelo seu perfil individual, cooperantes, eles tendem a ser igualmente cooperantes nas sociedades onde as normas de cooperação são implementadas por todos. Se fizermos uma análise inversa, podemos também concluir que a ausência de normas sociais de cooperação pode impelir indivíduos naturalmente propensos à cooperação a assumir comportamentos mais individualistas.

No que toca a políticas de desenvolvimento da cooperação estes conhecimentos são muito importantes para implementar e continuar a aprofundar aquilo que são os métodos colaborativos, sendo uma importante tendência para renovação dos sistemas democráticos. Embora o modo como se construíram e continuam a construir as normas sociais seja ainda pouco conhecido, sabemos assim que a via para fomentar mais cooperação passa pela assimilação e generalização das mesmas normas sociais que fomentam a cooperação social.

Referências:
Smith, Kristopher M. ; Larroucau, Tomás ; Mabulla, Ibrahim A. ; Apicella, Coren L. (2018). Hunter-Gatherers Maintain Assortativity in Cooperation despite High Levels of Residential Change and Mixing, Current Biology 28, 1–6 October 8,  Elsevier Ltd. https://doi.org/10.1016/j.cub.2018.07.064

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