terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Das Saturnálias ao culto do Sol e o nascimento de Cristo: a origem do Natal

O festival familiar da Saturnalia, ou saturnálias, era provavelmente o festival mais importante do final do ano, tanto para as famílias romanas, mas especialmente para os escravos. Nas Saturnalias os papeis invertiam-se entre senhores e escravos, e havia uma liberdade generalizada para cometer todo o tipo de atos que não seriam permitidos durante os restantes dias do ano, algo semelhante ao carnaval. Pelos registos que nos chegaram, as festividades começariam, segundo nosso calendário atual, a 17 de dezembro e duravam entre 3 e 7 dias, dependendo do período histórico. Deveria ser feito um sacrifício a Saturno, quer para os romanos estava associado à agricultura e a vida feliz. Faziam-se um grande festim, com refeições onde a inversão dos papeis e hierarquia social se dava de modo formal ou informal. Em algumas famílias, depois dessa refeição, dava-se uma troca de presentes, seguindo-se jogos, discussões literárias e bebidas desregradas (Dolansky, 2010). Podemos encontrar semelhanças entre as celebrações das saturnalias e as atuais festividades de Natal.

Saturnalia - Antoine Callet
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Saturnalia_by_Antoine_Callet.jpg

Igualmente importante na influência das festividades cristãs foram os diversos cultos do Sol, sistematizados como culto imperial numa altura em que se exigia unidade política. Este culto imperial, personalizado na figura do imperador, do Invictus Dominus Imperii Romani, instituiu-se em 274. d.C. As associações de Cristo, e de todas as figuras da nova religião, aos cultos solares são evidentes em várias fontes. O estabelecimento do que seriam as festividades do natal cristão deve ter ocorrido entre 243 e 336 d.C., coincidindo com os cultos do sol, assumidos pelo regime imperial e comuns a vários cultos mais antigos fortemente estabelecidos nas provinciais imperiais romanas. O dia de nascimento de cristo terá sido assumido, por conveniência, no dia 25 de dezembro em 350 d.C.. Essa data ficaria a vigorar no ocidente e atribui-se ao Papa Júlio I (Roll, 1995). 

Assim, como tantas outras festividades e tradições, o Natal, que hoje também se afasta dos cultos cristãos primordiais, resulta de uma construção social ao longo da história. Por isso, não é de estranhar que as festividades continuem a evoluir pelas múltiplas influências sociais e conveniências que vão surgindo.

Referências bibliográficas:
Dolansky, F. (2010). Celebrating the Saturnalia: religious ritual and Roman domestic life. A companion to families in the Greek and Roman worlds, 488-503.
Roll, S. K. (1995). Toward the origins of Christmas (Vol. 5). Peeters Publishers.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Quando o Urbanismo de Haussman dificultou as manifestações e revoluções

Haussman, o Barão, foi perfeito de Paris no reinado de Napoleão III que instituiu o segundo império. Liderou a gestão da cidade de Paris entre 1853 e 1870, implementando um programa que pretendia estabilizar mas igualmente modernizar a cidade, seguindo os duplos impulsos do novo imperador. Odiado por muitos na época, mas sem a visão deste homem Paris hoje seria algo muito diferente. Transformou a cidade, à custa de um elevado grau de destruição urbana. Do tecido medieval de Paris pouco ficou. Abriram-se grandes avenidas, espaços públicos e a cidade ficou mais fluida e arejada. Na época vigorava a necessidade de normas de higienização e sanitárias, uma vez que as grandes metrópoles, e principalmente Paris, eram focos de doenças e insalubridade, tal como infindáveis problemas sociais. Com essa intervenção, mas também por ser a capital de um dos mais poderosos estados europeus, Paris foi a cidade dominante a nível mundial durante todo o final do século XIX.

Lamartine, em frente à câmara municipal de Paris, recusa a bandeira vermelha, em 1848 - Félix Philippoteaux

Ainda hoje Haussman é criticado pelos defensores do património urbano por ter destruído a morfologia medieval urbana de Paris, no entanto consta não ter destruído qualquer monumento relevante, ajustando os traçados ao edificado histórico mais importante. Obviamente que não poupou as construções vernáculas e populares. Ficamos ainda hoje com essa dupla sensação de amor ódio, de apreciarmos hoje a Paris de Haussman, com os seus novos prédios de época, mas com pena de não desfrutarmos do que seria uma das maiores cidades medievais de sempre. Ainda podemos encontrar alguns traços da estrutura urbana medieval, especialmente na zona do Quartier Latin, perto das zonas urbanas ocupadas pela antiga universidade. No entanto, mesmo essa parte da cidade, foi sendo modernizada.

Mas tudo isto para falar da dimensão política do desenho e funcionalismo urbano. Haussman viveu numa época de grande instabilidade política, em que Paris era recorrentemente o foco de manifestações, golpes e revoluções. Aliás, ele só chega ao comando de Paris pela ação revolucionário de Napoleão III. Diz-se que o plano de renovação urbana de Haussman tinha também outra intenção, de abrir os arruamentos para impedir as barricadas e apoio urbano aos revoltosos. Com facilidade de movimentos nas grandes artérias as tropas do regime podiam facilmente intervir, e seria muito mais dificil criar zonas defensivas ou condicionar a circulação urbana pelo revoltosos. Não podemos afirmar isso com certeza, embora possamos ler isso nas entrelinhas dos planos e das soluções práticas. O certo é que as revoluções em Paris deixaram de ocorrer da mesma forma desde então.

O modelo de urbanismo de Haussman generalizou-se por muitas outras cidades, seguindo-se múltiplos ímpetos que tentaram higienizar e desafogar os tecidos urbanos, dando continuidade a alguns projetos de urbanismo do período do absolutismo, em que monarcas quiseram deixar a sua marca urbana através da monumentalidade dos edifícios públicos, praças e avenidas.

As novas intervenções inspiradas na gestão de Haussman vieram forçar a pensar na cidade como um todo. Não foi por isso que se deixaram de fazer manifestações e revoluções, mas passou a exigir-se outra escala. Por isso, curiosamente, até me arrisco a dizer que Haussman criou as condições para que os movimentos sociais tivessem mais impacto nas cidades, pois aumentou-lhes a fasquia. Dificilmente alguém planearia algo pequeno depois.


Algumas referências bibliográficas de apoio:
Chueca Goitia, F. (1985). Breve historia del urbanismo (No. 307.7672 C4).
Delfante, C., & Feio, L. M. C. (2000). A grande história da cidade: da Mesopotânia aos Estados Unidos.
Mumford, L. (1998). A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas (p. 67). São Paulo: Martins Fontes.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Das mulheres para as trincheiras: a utilização do relógio de pulso

O relógio de pulso é uma invenção relativamente recente.  Se o relógio mecânico terá surgido por volta do século XIV, a invenção do relógio de pulso terá surgido apenas na última metade do século XIX, e terá sido, nessa época, primeiro um adereço prático de mulheres, que assumia também forma de joia ou então algo mais prático com as pulseiras de couro. Nessa época os homens usavam, maioritariamente, relógios de bolso, com as típicas correntes ornamentais fora dos coletes. 

Mulher sentada com relógio - Picasso
fonte da imagem: https://www.flickr.com/photos/136930126@N05/22168444116

Foi no início do século XX, com a necessidade de ter um modo de consultar as horas de forma mais prática que o relógio de pulso ganhou dominância. Foi especialmente na I Guerra Mundial que o uso se generalizou entre os homens, dada a necessidade de ter um meio prático de coordenar as operações militares, numa guerra em massa e acelerada pela escala e novas tecnologias. 

Consta que os pilotos também aderiram a esta solução, uma vez que lhe libertava as mãos para operar veículos, aviões e etc. 

Curiosamente, hoje me dia voltamos a andar com os relógios no bolso, na forma de smartphones. O uso de relógio de pulso tende a ser uma opção decorativa para homens e mulheres dos nossos tempos. 

Referências bibliográficas:
Doensen, P. (1994). WATCH: History of the modern wrist watch. Jan van Scorelstraat, 80(3583), 174.
Stephens, Carlene; Dillon,Amanda; Dennis, Margaret (1997). Revolution on Your Wrist. National Museum of American History. Disponível em: http://amhistory.si.edu/docs/Dennis_Stephens_Dillon_%20Revolution_on_Wrist_1997.pdf



terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Quando a família não chega para impedir uma guerra mundial

A Primeira Guerra Mundial trouxe muitas novidades, das mais horríveis militarmente até então. Morreram milhões de soldados e civis. Os efeitos foram muito além disso, geradores de crises mundiais e de posteriores conflitos ainda mais catastróficos. 

9 soberanos no funeral de Eduardo VII - 1910 em Londres
Jorge V sentado ao meio e Guilherme II de pé atrás. Manuel II de Portugal à esquerda de Guilherme.
Fonte da imagem: https://rarehistoricalphotos.com/nine-kings-one-photo/

Um dos aspetos caricatos, no meio de tantos episódios terríveis, passou-se ao nível familiar. Guilherme II, Kaiser alemão, e Jorge V, rei de Inglaterra, eram primos direitos. A rainha vitória, que dominou a coroa inglesa durante grande parte do século XIX, casou os seus filhos com as principais casas reais europeias, sendo a mãe de Guilherme irmã do pai de Jorge, e ambos netos da famosa rainha inglesa. Mas a grande diferença de idade entre ambos não terá ajudado ao relacionamento entre primos, pois havia o hábito do convívio familiar regular, incluindo também férias e festividades, apesar de serem famílias que  representavam nações distintas e das comunicações serem difíceis. Consta, no entnto, que Guilherme não apreciava particularmente a sua família não alemã. Já Nicolau II, Czar da Rússia, era também primo direito de Jorge V de Inglaterra, pois suas mães eram irmãs. Estes primos, provavelmente pela proximidade de idade, privaram bastante. Consta que Nicolau tinha um inglês e era muito conhecedor da cultura britânica. 

Jorge V e Nicolau II - 1913 em Berlin
Fonte: https://rarehistoricalphotos.com/king-george-tsar-nicholas-1913/

Estes relacionamentos familiares não eram fruto do acaso, aconteciam devido ao sistema tradicional de alianças na Europa. Mas, em 1914, estas relações familiares não foram suficientes para evitar a guerra, especialmente as fortes ligações as casas reais Inglesas e Alemãs, lideradas na altura por Jorge e Guilherme, respetivamente. Consta que até poderão ter incentivado o conflito. Guilherme teria desde a infância um mau relacionamento com a sua mãe inglesa. Jorge e Nicolau, que passavam férias em família na Dinamarca com o avó Cristiano IX, eram influenciados por um odio dos Dinamarqueses aos seus vizinhos Alemães pela anexação de Schleswig-Holstein em 1868. Estes são apenas alguns exemplos do cruzamento da vida familiar com a geopolítica da época.

A Primeira Guerra Mundial foi a primeira Guerra moderna por várias razões. Pelas estratégias, táticas, armas, logística e escala do conflito, mas também pelo fim das tradicionais relações diplomáticas internacionais associadas aos conflitos.

Referências bibliográficas de apoio:
Carter, M. (2009). The three emperors: three cousins, three empires and the road to World War One. Penguin UK.
Keegan, J. (2014). The first world war. Random House.
Willmott, H. P., & Willmott, H. P. (2003). World War I. New York: Dorling Kindersley.

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