Este blogue tem usado quase sempre conhecidas obras de arte plásticas (historicamente relevantes), especialmente pinturas, na ilustração dos seus textos, tendo como objetivo divulga-las. Desta vez o texto consiste na transcrição simplificada de uma ficha de inventário de uma das mais famosas pinturas holandesas. A ficha não está tecnicamente perfeita, mas serve para descrever a obra, especialmente a sua própria excecional história, uma vez que esta obra foi: cortada, recortada, atacada, vandalizada, semidestruída, sofreu um restauro que quase a destruiu e teve um outro que ajudou a revelar o seu nome perdido, pois até o seu nome foi alterado. Vale a pena conhecer a história da tela popularmente conhecida como a "A Ronda da Noite" que afinal deveria ter retratado um episódio diurno e se chamava originalmente "A Companhia de Milicianos do Capitão Frans Banning Cocq e do tenente Willem van Ruytenburch".
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A Companhia de Milicianos do Capitão Frans Banning Cocq e do tenente Willem van Ruytenburch - Rembrandt |
Título/ Denominação da peça - A Rondada Noite [1; 2; 8]
Outras Denominações – “A Companhia do Capitão Frans Banning Cocq” [5]. Ou ainda: “A Companhia de Milicianos do Capitão Frans Banning Cocq e do tenente Willem van Ruytenburch” [7].
Localização da peça ─ Localizada no Rijks Museum em Amsterdão [2].Piso 2, sala Night Watch, parede Sudoeste [8].
Proveniência da peça –
Pertence à actual Colecção do Rijks Museum [9]. Foi inicialmente concebida para o edifício da milícia de arcabuzeiros – Kloveniersdoelen [8] - de Amsterdão em 1642 [3]. Posteriormente, em 1715, foi transferida para o edifício sede do município de Amsterdão, sendo sido recordada para se adaptar às dimensões da sala [9], tendo como dimensões originais 387cm x 502cm [7]. Em 1885 foi transferida para o Rijks Museum, mas em 1939 foi capturada pelos exércitos alemães durante a ocupação da 2ª Guerra Mundial, tendo estado até 1945 no castelo de Radboud em Medemblik. Posteriormente voltou ao Rijsk Museum. Permaneceu temporariamente, entre 2003 e 2013, deslocada no espaço Philipsvleugel, durante a remodelação do museu, até se foi depois instalada na sala onde hoje se encontra no Rijks Museum.
Material: Óleo sobre tela
Dimensões: 379cm x 453cm [9]
Datação da obra - 1642.
Autoria/Produção - Rembrandt van Rijn.
Estado de Conservação –
A obra foi recortada em 1715 (387cm x 502cm para 379cm x 453cm) para encaixar no edifício sede do município de Amesterdão. Em 1751 foi revestida de um novo verniz [4] que a terá escurecido, tendo sido, provavelmente, essa a razão para que nos inícios do século XIX tenha recebido o título de “A Ronda da Noite”.
Em 1911 um sapateiro desferiu alguns golpes na tela em sinal de protesto pelas suas condições laborais [1].
Entre 1946 e 1947 foi restaurada por H. H. Merters [4;10], restaurador chefe do Rijsmuseum, removendo-se as camadas protetoras do verniz que teriam escurecido a tela e ocultado as suas cores e tonalidades originais [7].
Em 1974 sofreu novo ato de vandalismo de um homem com uma faca que desferiu vários golpes em ziguezague na tela [1]. Os trabalhos de restauro foram concluídos com sucesso nos dois anos seguintes. De perto da obra ainda é possível ver marcas desses cortes reparados
Em 1990 a tela sofreu uma tentativa de vandalização, tendo sido detido um homem que a pulverizava com spray ácido. A rápida intervenção evitou que o ácido atravessasse a camada protectora de verniz [1], não se tendo registado danos permanentes.
Características/Observações -
Numa observação muito próxima da tela detetam-se as marcas dos atentados de 1974, apesar do grande restauro de 1976. Mesmo depois da remoção dos vernizes de 1751, a tela continua ainda com tons bastante escuros, especulando-se se não seria ainda mais clara e brilhante do que aquilo que se conseguiu recuperar com os trabalhos de restauro no pós 2ª Guerra Mundial [8]. Não existem certezas absolutas, mas pode muito bem ter sido uma cena diurna, de passagem numa zona sombreada. Existem vários indícios para essa possibilidade [7].
É a conjugação de luz e sombra, com manipulação das zonas iluminadas e a composição que principalmente se salientam na observação das técnicas e estética materializada da obra.
Descrição –
A cena regista uma ronda da companhia do Capitão Frans Banning Cocq e do tenente Willem van Ruytenburch durante as guerras da independência da república holandesa em meados do século XVII, quando lutavam perante o domínio Espanhol dos Países baixos. No século XIX a tela foi baptizada de “A Ronda da Noite”, mas restauros e estudos recentes indiciam que a cena poderia ter acontecido durante o dia, na passagem de uma zona porticada sombreada [7].
Trata-se de um retrato dinâmico de grupo, um registo momentâneo teatral mas que é ao mesmo tempo realista e credível. Terão sido estas algumas das características que destacaram este e outros trabalhos de Rembrandt. As personalidades retratadas são registadas em plena acção, sem poses rígidas ou forçadas. Rembrandt recorre igualmente a indumentárias, armas e símbolos que demonstram o seu interesse e atenção pelo coleccionismo e paixão por objectos e artefactos originais e raros [6]. Muitos dos adereços utilizados na composição da tela eram já obsoletos na época e outros despropositados para uma acção de patrulha militar. Isto reforça a valorização material e simbolismo que Rembrandt atribuía a determinados objectos e artefactos.
Apesar de Rembrandt não ter viajado para Itália, nem ter tido contacto direto com os grandes mestres italianos e de formação classicista, este trabalho enquadra-se nos princípios do chiaroscuro [3]. A manipulação da luz e das sombras é muito marcada nesta tela, servindo para evidenciar ou ocultar os motivos, em hierarquias de poder e movimento. Rembrandt não recorria a cores tão vivas como outros pintores seus contemporâneos (Por exemplo Rubens). Os seus trabalhos apresentavam tons e cores menos brilhantes [6]. No entanto, o domínio das luzes, sombras e o recurso pontual a cores mais vivas para certas partes da composição, serviu para aumentar o dramatismo e expressividade das suas obras. A Ronda da noite é um desses casos, especialmente nas figuras do capitão e do tenente.
Ao contrário dos restantes retratos de grupo, e apesar de todos os retratados terem contribuído para a obra, existe uma clara hierarquia na tela e personalidades mais destacadas que outras, contribuindo para o realismo, simbolismo e dinâmica da obra. O destaque dado ao capitão Frans Banning Cocq, que dá título ao nome original da obra é central e imediato. O próprio capitão parece apontar para o observador, transportando-o para o interior da acção [5]. A sua patrulha parece marchar na nossa direcção [7], para fora da tela.
A obra terá sido muito apreciada no seu tempo, não havendo registos de críticas, especialmente das individualidades secundarizadas ou mais ocultas pelas sombras [5]. Terá sido de tal modo valorizada, continuamente ao longo do tempo, que foi continuamente exposta em locais de prestígio ao longo da história.
Referências Bibliográficas
[1] Associated Press - "Rembrandt's 'Night Watch' Painting Vandalized". Los Angeles Times, 6 Abril 1990. [Consult. em 14 de Março de 2015]. Disponível na Internet: http://articles.latimes.com/1990-04-06/news/mn-973_1_night-watch
[2] Associated Press - "Amsterdam's Rijksmuseum returns to form, with light and life ". Los Angeles Times, 13 Maio 2013. [Consult. em 14 de Março de 2015]. Disponível na Internet: http://articles.latimes.com/2013/may/05/entertainment/la-et-cm-rijksmuseum-amsterdam-20130505
[3] Bell, Julian - Espelho do Mundo – Uma Nova História da Arte. Lisboa, Orfeu Negro, 2009.
[4] Bomford, David; Leonard, Mark - Issues in the conservation of paintings. Getty Publications, 2004, p. 436.
[5] Davies, Penelope J. E.; Denny, Walter B.; Hofrichter, Frima Fox; Jacobs, Joseph; Roberts, Ann M.; Simon,David L., - A Nova História da Arte de Janson – A tradição Ocidental. 9ª Edição. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
[6] Gombrich, E. H. – A História da Harte. 2ª Edição. Phaidon (Público), 2006.
[7] Grahan-Dixon, Andrew (Consultor Editorial) - Arte – Grande Enciclopédia – Da Pré-história à época contemporânea. Porto, Civilização Editora – DK, 2009.
[8] Meijer Jr, D.C. - De Amsterdamsche Schutters-stukken in en buiten het nieuwe Rijksmuseum. In: Oud Holland 2, no. 4 (1886): 198–21 Translated in English by Tom van der Molen. Consultado em 14 de Março de 2015. Disponível em: http://www.jhna.org/index.php/past-issues/volume-5-issue-1/190-the-amsterdam-civic-guard-2
[9] Spaans, Erik - Museum Guide – Rijks Museum. Amsterdão, Rijks Museum, 2013.
[10] The Rembrandt Data Base. Hague: Netherlands, TRDB. Atual. [Consult. em 15 de Março de 2015]. Disponível na Internet: http://www.rembrandtdatabase.org/Rembrandt/painting/3063/civic-guardsmen-of-amsterdam-under-command-of-banninck-cocq/document/17632