segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Alemanha, alemães e os exónimos: chamar nomes estranhos aos outros

São inúmeros os povos que ficaram conhecidos por nomes pelos quais não se reconheceriam normalmente, mas que acabam por os tolerar e até adotar, ainda que as origens possam não ser as mais simpáticas. Como alguns destes processos ocorreram há séculos, depois de múltiplas aculturações, mudanças mais ou menos violentas, já ninguém os toma como insultuosos ou desadequados. No fundo, os exónimos podem ser isso mesmo, dar nomes estranhos a termos estrangeiros para os adaptar à língua própria, mesmo que nada tenha que ver com o original.
 
Idun and the Apples - James Doyle Penrose

Um desses casos prende-se com a etimologia da Germania que para nós portugueses, é conhecida como Alemanha. Pegando apenas em algumas entradas da Wikipédia, devidamente referenciados, e outros textos de especialistas, podemos fazer um pequeno exercício de curiosidade sobre a origem do nome desse povo e dessa terra que conhecemos por alemães (ou germânicos) e Alemanha (ou Germânia).

Existem várias alternativas, umas mais rebuscadas que outras, mas todas elas igualmente interessantes. O objetivo aqui não é encontrar a mais correta, até porque pelas fontes não existem certezas absolutas, mas fazer um apanhado das várias possibilidades e refletir sobre as várias possibilidades.

A primeira hipótese é de que “Germanus”  e o plural “Germani” em latim surgiram a partir de “gérmen”, que significa semear ou disseminar, sendo utilizada também com o sentido de “parente” ou “aparentado”. Esse termo terá sido primeiro utilizado em 223 a.C. na inscrição Fasti Capotolini “Galleis Insvbribbus et Germ”, que pode ser traduzida por “povos próximos ou relacionados com os gauleses”. Também por influência de exônimo (que consiste numa tradução de um nome próprio para um língua estrangeira) celta o termo parece ter significado simplesmente “vizinho”. Em Irlandês antigo “vizinho” dizia-se “gair” e em galês “ger”, que apontava para a noção de “próximo”. Por outro lado, em Inglês “gash” significava “corte ou arranhão”, derivando dos proto-indo-europeu: “Khar”, “Kher”, “Ghar”, “Gher”. Esta última hipótese já aponta para uma relação com termos militares e bélicos.

Tácito parece ser o único autor antigo a sugerir que a origem do nome “germânico” remontasse ao nome de uma antiga tribo que durante o domínio romano havia mudado de nome, embora não existam mais provas do que a mera referência do autor. Já Estrabão associou os povos bárbaros do norte da Europa que não eram Celtas a descrição de “germânico”. Mas foi Posidónio o primeiro a utilizar o nome, por volta de 80 a.C. no seu livro n.º 30. Sabe-se desta referência pela citação do 4.º livro de Ateneu, que em cerca de 190d.C. citou Posidónio: “Os Germani à tarde servem à mesa carne assada com leite, e bebem seu vinho não diluído”. [1].

Sem dúvida que “Germano”, ou “German”, era o apelido usado por gauleses e romanos para designar os povos do outro lado do Reno. Mas existe outras possibilidades para a origem dessa palavra. Da composição de “ger”, que significaria lança,  surgem os “homens da lança [4]”. Outra possibilidade, embora aparentemente menos direta, é a da palavra “Wermann”, relacionada “War” em inglês e que provém do velho “ger” de origem indo-europeia. De índole militar surge “Germanus” em latim e “Guerra” como palavra de adaptação para os galo-romanos, que já teriam utilizado o termo antes dos romanos para os seus “vizinhos” [2]. O termo “alemães” deriva do baixo latim, “alamanus”, tomado do "Alemannen" em germânico que era uma das etnias dos povos germânicos que vivia no sudoeste do atual território Alemão, podendo significar “homens estrangeiros” também [3].

Segundo Johann Zeuss, em irlandês antigo, “gair” significava “vizinho”. Por seu lado, Eric Patridge sugere que “gar” ou “govin” significava “gritar”, defendendo que a teoria de relacionamento com “ger”, a lança, estava obsoleta [4], e que a origem da palavra estava então no termo “homens barulhentos” [5]. Outra possibilidade é a da relação com ganância “greed” [5].

São então várias as possibilidades. Para os restantes povos, os germânicos poderiam bem ser aqueles vizinhos barulhentos que andam armados com lanças, sempre preparados para a guerra. Talvez por isso os alemães não usarem nem os termos de origem alemã nem germânica e optarem por Deutsch que em germânico antigo significará qualquer coisa como “do povo“ ou “popular“. Ou seja, o mais correto será mesmo utilizar o termo Deutsch e Deutschland pois estes termos parecem ser menos exónimos, ou seja, traduções de outras línguas que nem sempre são muito simpáticas e adequadas a descrever e identificar quem descrevem. Colocando-nos atualmente no papel dos alemães, parece credível que gostem mais de ser conhecidos como „vizinhos“ do que como „homens das lanças“, sendo que „povo“ sempre parece muito mais neutro.

Referências bibliográficas:
[1] “Germanos”, Wikipédia, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Germanos
[2] BOSWORTH, Joseph. (1836). The Origin of the English, Germanic, and Scandinavian
Languages and Nations: With a Sketch of Their Early Literature and Short Chronological Specimens ... from the Moeso-Goths to the Present Time,

[3] “Germanicos”, Wikipédia, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Alem%C3%A3es
[4] “Names of Germany”, Wikipédia, disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Names_of_Germany
[5] PARTRIDGE, Eric (1958). Origins: A short etymological dictionary of modern engkish. Routledge.

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