terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Estamos prontos para implementar o planeamento colaborativo?

Se o planeamento assistido se relacionada com o contexto da pós-modernidade o planeamento colaborativo parece ter uma relação ainda maior com as mudanças sociais das últimas décadas, resultando da necessidade emergente de poder planear para o futuro num ambiente de crescente incerteza e complexidade, enquanto se tenta aprofundar os valores da liberdade e da democracia participativa. A incerteza dificulta fortemente o ato de planear, especialmente quando as mudanças são súbitas e cada indivíduo tende a atuar isoladamente e num contexto de liberdade que incentiva ao individualismo, em paralelo com o consumismo, num mundo globalizado. Essa é a realidade que os planeadores têm de enfrentar na atualidade.

Discutindo a divida comédia com Dante - Dai Dudu, Li Tiezi & Zhang Na

Segundo as visões filosóficas do pós-modernismo não existe conhecimento objetivo em forma alguma. Todo o conhecimento é assim relativo. A tendência será crescente na medida em que as sociedades se tornam cada vez mais plurais e fragmentadas. Jurgen Habermas, através da teoria da ação comunicativa, herdeira do pensamento da nova teoria crítica da escola de Frankfurt, refere que é possível, apesar de todas as diversidades e fragmentação, encontrar pontos comuns de cooperação entre diferentes grupos sociais. A crescente diversidade das sociedades contemporâneas obriga a que se procurem esses pontos de contacto passíveis de gerarem cooperação.

A cooperação, segundo Habermas, só pode ocorrer através da capacidade comunicativa racional, ou racionalidade comunicativa, garantindo-se: a verdade das proposições externas; direito e legitimidade de estabelecer relações entre indivíduos; compreensão da linguagem utilizada; interação livre de dominação e manipulação; interação livre de intenções estratégicas próprias dos atores envolvidos; garantia da igualdade argumentativa dos atores participantes nos processos; ausência de restrições à participação, e; que a única autoridade seja um bom argumento. A implementação destes princípios é de dificil concretização e não existem casos em que tenha sido tentada em larga escala, sendo um paradigma em competição com tantos outros, onde se destaca a democracia legalista e representativa que domina o espetro político. Na comunicação racional aplicada ao planeamento colaborativo, segundo a visão de Habermas, será necessário que os cidadãos participem em nome individual, sem que sejam representantes de outros ou de instituições, sendo a pertença e participação aberta a todos em igualdade de importância. Apesar dessa abertura importa garantir foco, assegurar que as dinâmicas colaborativas devem ser orientadas para a resolução de problemas concretos.

Estes princípios de abertura dos processos de planeamento conflituam com a noção de que os planeadores detêm uma formação em disciplinas que lhes dão acesso ao conhecimento científico e técnico privilegiado, superior a outras formas de conhecimento, de isso os preparar para a realização dos planos e de que mais ninguém poderá participar neles. Mas o conhecimento racional baseia-se em eventos passados, enquanto que os planeadores têm de projetar o futuro. Os modelos científicos são apenas simplificações da realidade. Existe um efeito inevitável da crença e da ideologia na escolha das diferentes teorias e metodologias de planeamento a aplicar aos casos concretos da realidade. Na prática, os planeadores enfrentam problemas ambíguos e mal definidos, onde a informação é incompleta sobre os contextos dos problemas e da panóplia de alternativas passíveis de aplicar para os resolver. Estão também condicionados pela dificuldade em reconhecerem os seus próprios valores, influências, interesses e alcance, mas também dos demais atores envolvidos nos processos de planeamento. Por fim, são restringidos pela escassez de recursos e conhecimentos.

Nas sociedades contemporâneas o poder não está igualmente distribuído. Os poderes instituídos, as organizações e estruturas sociais vão determinar quem fala mais, mais alto quem é escutado e com mais atenção. Devido a distorções de comunicação, os cidadãos podem ser facilmente enganados e excluídos dos seus direitos cívicos democráticos. Pode ocorrer a tendência para a despolitização e exclusão dos processos cívicos participativos por parte dos cidadãos. Os planeadores podem contribuir para estes efeitos de exclusão cívica, favorecendo e legitimando outros poderes.

Para que se possa implementar o planeamento colaborativo será necessário: cultivar uma rede de contactos e ligações comunitárias; ouvir atentamente; integrar nos processos de planeamento interesses menos organizados; educar os cidadãos, planeadores e as organizações comunitárias para a participação e trabalho em grupo; prestar e disponibilizar informações técnicas e políticas; encorajar a formação de grupos de pressão baseados na comunidade; encorajar revisões de projetos independentes e com base nas necessidades da comunidade local, e; antecipar a pressão política e social. Para além disto é necessário planear os próprios processos e dinâmicas de planeamento colaborativo. Será necessário identificar onde vão decorrer as discussões e quais os locais mais adequados para desenvolver os processos de produção colaborativa, tal como definir o estilo de comunicação, os assuntos a abordar e de como podem surgir as interações. Por fim, importa perceber como pode a comunidade chegar a acordo sobre o seu plano.

Estes novos processo de planeamento colaborativo podem recorrer a múltiplas formas de apresentação e técnicas de análise, adaptadas a cada contexto, realidade e comunidade, tentando almejar outros níveis mais eficazes e adaptados de comunicação e compreensão mutua, que envolvam todos. Pretende-se facilitar a discussão proveitosa, racional onde se formulam claramente os problemas e identificam os conflitos. Os interesses não devem ser fixos pois faz parte do processo interativo de aprendizagem mútua a possibilidade de mudar e alterar prioridades. Deste modo é possível desafiar ou apoiar o poder instituído de forma fundamentada. O objetivo é chegar a novos consensos que se espera serem suficientes para que os planos possam posteriormente ser implementados sem repulsas gerais. Mas, tal como ocorre no conceito de democracia participativa, há que ter a noção de que os cidadãos dificilmente estarão sempre disponíveis e interessados em participar em todos os assuntos da comunidade, o que tem gerado a noção de que os processos representativos são os modos mais realistas de planear.

Referências bibliográficas:

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Como os Webinars podem poupar recursos às organizações

Um Webinar é um conceito muito em voga atualmente. A palavra resulta da contração dos termos "Web-based-seminar", que é como quem diz em português: seminário baseado na rede (internet). A designação do termo não podia ser mais explicita. Trata-se de uma ferramenta informática que usa equipamentos multimédia, vídeo, áudio e outros de transmissão de conteúdos digitais para fazer reuniões e seminários. Os participantes ligam-se ao evento, ao webinar em causa, através do seu computador e de um software próprio que pode ser feito também através de páginas online. Nos webinars tende a haver uma moderação, tal como num evento presencial, que vai marcando a ordem de trabalhos, dando a palavra – que neste caso é o ecrã e todos os outputs multimédia que chegam aos recetores. Os oradores têm possibilidade de comunicar por voz, por vídeo e partilhar as apresentações tal como se fosse uma exibição normal de um powerpoint. Os recetores podem conversar entre si, incluindo os oradores e moderadores, através de chat, sem interromper a comunicação principal, tal como solicitar a possibilidade de intervir por áudio ou vídeo.

Reunião das expressões das 35 cabeças - Honore Daumier
Este sistema está vulgarizado em diversos setores de atividade, havendo múltiplos softwares, aplicações e paginas online que permitem, gratuitamente ou pagando por um serviço mais personalizado, fazer este tipo de reuniões e seminários. Trata-se de um meio eficaz de poupar recursos de deslocações e de comunicar rapidamente, em tempo real, bastando um equipamento digital, computador, tablet ou smartphone com ligação à internet para poder utilizar esta ferramenta poderosa. O formato webinar, dependendo do software utilizado, permite guardar registos de uma forma natural, sempre uteis para posterior trabalho e desenvolvimento dos projetos, sem que sejam necessárias elaborar atas profundamente descritivas. Até o papel se pode dispensar.

Podemos sempre dizer que se perde o contacto humano com os Webinars e outros sistemas de interação à distância. É um facto. Mas quando se trata de produzir de modo eficaz e com poucos custos esta é uma opção a ter em conta, cada vez mais. Em muitas organizações e projetos opta-se pelo mix, de comunicação presencial e à distância para aproveitar o melhor dos dois mundos.

Este sistema (ou sistemas) de webinars tem sido muito utilizado no projeto Urbanwins, uma vez que que são múltiplas as reuniões entre participantes que se encontram geograficamente muito distantes. Sendo um projeto que visa a sustentabilidade ambiental, através do estudo do metabolismo urbano associado principalmente aos resíduos urbanos, é notória a intenção de reduzir impactes ambientais, ao mesmo tempo que se garante um meio eficaz de comunicação, que atende às tendências contemporâneas de funcionamento em rede.

Nota: aqui ficam algumas referências de softwares de webinars que podem experimentar:
https://www.capterra.com/webinar-software/
https://zapier.com/blog/best-webinar-software/
https://www.growthmarketingpro.com/best-webinar-software/
https://www.earningguys.com/hosting/best-webinar-software/
https://www.softwarefindr.com/best/webinar-software/
https://www.eztalks.com/webinars/best-webinar-software-comparison.html

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O Namoro em Portugal durante a Ditadura do Estado Novo

Nos anos 50 Portugal vivia em ditadura de cariz conservador, em que os padrões morais eram assumidos diretamente pelas forças sociais dominantes e pelo próprio Estado, de mão dada com a Igreja Católica.

Para o estudo da melancolia em Portugal - Nikias Skapinakis

Sobre os relacionamentos amorosos caia um profundo peso moralista, que tentava asfixiar demonstrações públicas de carinho, mesmo entre os casais casados e moralmente enquadrados na doutrina católica vigente. Os namoros eram encenações que tendiam à encenação social e a uma certa dose de hipocrisia, própria das normas sociais vigentes. A homossexualidade nem sequer era considerada por ser um tabu.

As raparigas eram vistas como as principais culpadas dos atrevimentos dos rapazes, tal como demonstra do texto de 1958 de Maria Franco na revista Menina & Moça (M&M), uma publicação da Mocidade Portuguesa Feminina. Defendia-se que as raparigas deveriam ser as guardiãs da moral e dos bons costumes. Se demonstrassem esse tipo de comportamento e conduta, segundo os valores da época, poderiam então aceder ao topo do seu papel social: serem as donas de casa, defensoras da harmonia do lar. Alertavam-se as raparigas de que os rapazes gostavam de diversão, mas que só casavam com raparigas moralmente intactas. Ou seja, virgens e sem experiências relacionais. Isto colocava um peso enorme sobre os impulsos amorosos e criava uma poderosa da repressão da sexualidade, uma vez que era o próprio ditador, Oliveira Salazar, quem reservava e defendia publicamente para as mulheres o papel doméstico. Se as jovens mulheres não conseguissem casar seriam párias da sociedade ditatorial do Estado Novo.

Curioso é também o editorial do padre Gustava de Almeida, de 1964, escrito na mesma revista M&M, em que culpa as influências estrangeiras pela degradação da moral das jovens e das mulheres. Criticava o uso de calças e do ato de fumar. Argumentava contra os perigos da época: dos efeitos nefastos da influência de “camaradagens suspeitas”, “influência da maldita literatura francesa”, do “figurino francês” e do “ensino universitário”.

Assim, os encontros entre os jovens português da época eram sujeitos a uma apertada vigilância. O namoro era uma instituição rígida que servia para elevar as virtudes femininas definidas pelo conservadorismo da época. O namoro servia para casar. Acontecia à soleira da porta ou no interior da casa se a relação tivesse notória aprovação. A maior liberdade social dava-se nas classes sociais mais pobres, nos meios rurais e operários. Era nos grupos mais abastados em que o controlo se dava de forma mais apertada, pois estavam em causa questões económicas e de estatuto social. A aprovação parental para o casamento era muito forte nas classes médias e altas, enquanto que nas classes mais pobres podiam assistir-se a taxas de reprovação de 66% para as raparigas e de 73% nos rapazes.

Estas informações devem ser contextualizadas na época. Não esquecer da periferia de Portugal, longe das ideias progressistas do centro e norte da Europa. Os métodos contracetivos não estavam generalizados em Portugal e o peso de uma classe clerical moralmente dominante tinha enorme influência num país que se fechava ao mundo mais desenvolvido. A esmagadora maioria da população portuguesa vivia com escassos recursos e numa situação de quase analfabetismo e infoexclusão. Isto viria a mudar na década de 70, fortemente depois do 25 de abril de 1974, mas, ainda assim, muitas destas heranças ainda haveriam de persistir muitos anos na sociedade portuguesa, abertamente ou sob diversos disfarces.

Referências bibliográficas:
Almeida, Ana Nunes de (coord.) (2011), Os Nossos Dias.  In Mattoso, José (Dir.) História da Vida Privada em Portugal. Lisboa: Temas e Debates.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Planeamento Assistido (Advocative Planning): uma forma de democratizar o planeamento?

Há que começar por alertar que se utiliza o termo Planeamento Assistido como uma tradução do conceito de Advocative Planning, uma vez que a tradução direta literal poderia induzir em erro e apontar para conceitos e termos da área jurídica, tais como planeamento advogado ou advocatório.

Duplo retrato no tempo - Helen Lundeberg

A teoria do planeamento assistido associa-se ao trabalho de Paul Davidoff (1930-1984), que se diferenciou e distinguiu pela defesa da necessidade de uma visão mais política do exercício do planeamento. Tratava-se de uma abordagem contrastante e quase antagónica face à visão apolítica e burocrática do planeamento. Era uma tentativa de democratizar o exercício do planeamento, afastando-o das visões racionalistas sistémicas em que o planeamento era executado exclusivamente por especialistas, que, em teoria, podiam prever e modelar o funcionamento eficiente de cidades, regiões e países, recorrendo a ferramentas de planeamento.
 
Paul Davidoff queria evitar os casos recorrentes em que os técnicos e especialistas pelo planeamento se desligavam das realidades locais e necessidades das comunidades. Queria que os cidadãos, utilizadores, moradores e quem fosse influenciado pelos planos pudessem participar também nos processos de planeamento. Pretendia que se diminuísse o potencial de conflito entre planeadores e cidadãos, evitando casos de arrogância técnica em que as propostas dos técnicos eram vistas como puramente racionais e a dos cidadãos meros exercícios de irracionalidade. Davidoff pretendiam aproximar a prática técnica do exercício da cidadania, evitar a arrogância e incompreensão de ambas as partes, transformando o planeamento num exercício de justiça social. Considerava que os planeadores recorriam também às suas crenças e que não estavam isentos de influências ideológicas, que os factos e os valores não podiam ser separados. Davidoff defendia que a neutralidade de valores não existia, nem os planeadores eram isentos nos processos de planeamento. Recomendava que cada interveniente assumisse os seus valores, aqueles que levavam a que escolhessem determinados caminhos e opções. Para Davidoff os planeadores deveriam trabalhar em instituições, organizações e com todos aqueles cujos valores coincidiam. Assim, os planeadores teriam de se envolver nos processos políticos como assistentes dos interesses em que acreditavam, quer fossem assumidos por governos, grupos, organizações ou indivíduos interessados ou mobilizados por determinadas causas de interesse coletivo e público. Os planeadores teriam um importante papel cívico e de participação nas dinâmicas democráticas.

Nos processos de planeamento assistido pressupõem-se que existam múltiplas propostas produzidas e defendidas por diferentes grupos, assistidos por planeadores. As propostas podem ser contraditórias entre si, incluindo planos opostos às propostas do poder público. O resultado do processo de planeamento assistido seria uma competição de ideias, uma espécie de dialética de planeamento. Estas mudanças permitiriam: informar melhor o público sobre as várias alternativas; forçar os decisores políticos a competirem com outros grupos, ganhando com isso apoios políticos com o desenvolvimento do processo, e; forçar os críticos a desenvolverem e apresentarem propostas alternativas. Apesar de não se ter apresentado um sistema de avaliação e de tomada de decisão nesta dialética de planeamento, pode-se partir do principio que os planos realizados por esta via resultariam de múltiplas etapas em que as propostas com mais apoios e que melhor cumpriam os objetivos traçados seriam as escolhidas, embora subsistam dúvidas de como seria feito esse processo na prática, em situações dúbias e antagónicas.
 
No Reino Unido implementou-se um sistema semelhante ao planeamento assistido de inspiração norte-americana, em que grupos e cidadãos poderiam recorrer a planeadores públicos, em períodos fora das suas funções públicas para esclarecer dúvidas e ajudar na elaboração de propostas de planeamento alternativas. Este sistema ficou conhecido por Planning Aid, planeamento de ajuda.

Em resumo, do planeamento assistido realça-se a importância da diversidade e dos múltiplos valores e pontos de vista nas dinâmicas de planeamento, de um relativismo muito próprio, algo que podemos facilmente relacionar com a influências do pensamento pós-modernista.

Referências bibliográficas:
Allmendinger, Philip (2017). Planning Theory. Third edition. London: Palgrave

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