segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Porque andam sempre os norte-americanos no tribunal?

Para quem não seja norte-americano pode parecer excessivo o peso que o sistema judicial tem na vida dos norte-americanos. Para nós europeus parece realmente excessivo. Fica a sensação que se vai a tribunal por tudo e por nada. Quando importamos a cultura audiovisual norte-americana lá estão as infindáveis séries e filmes de advogados, tribunais e processos judiciais. Mas haverá com certeza uma razão para isso.

Calúnia de Apeles - Botticelli

Uma possível explicação prende-se com a história dos próprios EUA. Sendo um país que nasceu no século XVIII, em que alguns dos seus “pais fundadores” eram proeminentes pensadores do iluminismo, não se estranha que tenham tentado evitar a arbitrariedade do poder absoluto, criando um sistema judicial forte e igualitário para todos os cidadãos livres. Por outro lado, tratava-se de um país construído por emigrantes, de muitos recém-chegados provenientes de muitas origens, de línguas, hábitos e culturas diferentes. A estrutura social estava em convulsão e construção. Era seguramente necessário ter uma base legal forte, evidente e que todos pudessem de imediato interiorizar e recorrer para manter alguma paz social.

Os conflitos, quando não resolvidos de forma mais violenta, passavam automaticamente para a esfera legal, numa visão muito pragmática que caracteriza a cultura norte americana. Sendo as estruturas sociais europeias sólidas, mesmo que as nacionalidades sejam mais recentes, existem um legado histórico de organização social que hoje pode estar a favorecer uma maior tolerância que evita conflitos. Esse legado, na forma da organização das sociedades, com todos os seus mecanismos, parece contribuir para gerar diferenças grandes nas mentalidades europeias e norte-americanas. O peso do individualismo é também maior nos EUA apesar de uma maior predisposição para o associativismo, registada por Tocqueville no século XIX como sendo aquilo que permitia o funcionamento da democracia norte-americana.

Apesar dos múltiplos conflitos, que historicamente assolaram a europa parece, hoje em dia os europeus conseguem, aparentemente, recorrer mais à cooperação e negociação, conseguindo-se chegar a modos alternativos menos confrontacionais de resolver conflitos. Numa sociedade assim o sistema judicial não tem de ser solicitado com tanta frequência, reduzindo a sua importância cultural na própria sociedade. Mas o mundo globaliza-se e as culturas homogeneízam-se e é necessário resolver conflitos que não param de surgir. Será que iremos tender para um crescimento do uso dos tribunais ou poderemos evitar isso através da cooperação e tolerância?

domingo, 7 de janeiro de 2018

Será que pagamos o real preço do transporte marítimo?

Quando começamos a estudar um pouco sobre transportes uma daquelas verdades quase absolutas, que todos sabem, é que o transporte de mercadorias por via marítima é o modo mais eficiente. Apesar de ser uma generalização, que pode ser invalidada por imensas variáveis particulares, não é muito difícil perceber que um barco, a operar em condições ótimas, concebido para transporte de cargas consegue transportar uma grande quantidade de peso e volume de uma só vez sem que sejam necessárias pesadas infraestruturas de apoio ao percurso e consideráveis recursos humanos, ao contrário do que acontece com o transporte terrestre. Com o aumento da tonelagem dos barcos, com a automatização dos processos, com a tecnologia dos contentores estandardizados e sistemas de planeamento, gestão dos fluxos de cargas de forma global compreende-se o potencial para uma elevada eficiência deste meio de transporte.


No entanto, nem sempre as condições ótimas ocorrem, por diversos motivos. No documentário "Freightened: the real price of shipping" de Denis Delestrac explora-se o lado negro, segundo os autores, do transporte marítimo, tentando desmontar a ideia da absoluta eficiência do transporte marítimo de carga. O documentário alerta também para não estarmos a suportar os reais custos e impactes dessa atividade. O documentário foi exibido em Portugal pelo Canal Odisseia com o nome de "Freightened: o preço real do transporte marítimo".

Cerca de 90% dos produtos que consumimos são transportados, em algum momento, por transporte marítimo. Os autores dos documentário alertam para elevada probabilidade de apenas 5% dessas cargas estarem a ser controladas, tornando o transporte por contentores marítimo perfeito para tráficos ilícitos de toda a natureza. Alertam para a deficiência da regulamentação do setor, pois, em alto mar, as empresas detentoras dos barcos têm de cumprir a legislação do país cuja bandeira ostentam, o país em que o armador registou o barco. Existe assim uma intensa competição internacional de determinados países, quase sempre países pouco desenvolvidos ou offshores, para oferecerem as melhores condições aos armadores, que é o mesmo que dizer: redução das cargas fiscais, da legislação laboral, ambiental e etc. Os efeitos são pouquíssimos direitos laborais para as tripulações e uma grande folga para gerar descontrolados impactes ambientais associados ao funcionamento dos barcos. Há que lembrar que os motores dos grandes barcos consomem qualquer tipo de combustível fóssil, optando as empresas pelos mais baratos que são respetivamente os mais poluentes. Para os autores dificilmente haverão alterações, pois são os países com maior número de barcos registados quem mais peso tem internacionalmente nas organizações de regulamentação do setor, o que significa que o controle será naturalmente pouco apertado e exigente.


O documentário levanta muitas outras questões. Embora a realidade possa não ser exatamente nele se relata, não deixa de ser um assunto de interesse global e que merece ser cuidadosamente analisado. Enquanto consumidores deste mundo global, onde o nosso individualismo e identidade se manifesta fortemente através do consumo, sendo que temos acesso a cada vez mais produtos que viajam milhares de quilómetros, temos o dever ético de ficar com dúvidas se o que pagamos pelo transporte marítimo acautela todos os reais efeitos ambientais e custos económicos. Se não estivermos a pagar alguém um dia terá essa fatura por liquidar.

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