terça-feira, 28 de novembro de 2017

Séries históricas: as línguas e comunicação em "Maximiliano: poder e paixão"

Por mais apelativos que possam ser as séries, filmes e romances históricos correm-se inúmeros riscos nessas criações. Podem ser modos de despertar e consciencializar públicos mais generalistas para os conhecimentos históricos, mas, quase na mesma medida, podem ser fontes de transmissão de desinformação quando são excessivamente criativas e vão para além dos conhecimentos históricos para se tornarem vendáveis e mais "espetaculares". 


A propósito destas questões, que são habituais quando se reflete sobre epistemologia da história, está neste momento em exibição, na RTP2, uma série histórica que apresenta algumas características particulares. Trata-se de "Maximiliano: poder e paixão", no original "Maximilian: Das Spiel von Macht und Liebe", da autoria de Martin Ambrosch e realização de Andreas Prochaska. A série retrata a ligação entre a casa da Borgonha e os Habsburgos, que viria a reordenar a ordem política e cultural da europa a partir do século XV. De notar que os Habsburgos eram a família reinante da atual Ausrtria, enquanto que a Borgonha pertence hoje à atual França, tendo sido um ducado que atuava como reino importante e rico da Idade Média. De notar que o primeiro rei de Portugal era descendente paterno do duque da Borgonha, isto mais de quatro séculos antes, demonstrando a importância dessa região onde se desenvolveu a importante e poderosa ordem monástica de Cluny, que viria a contribuir posteriormente para a nossa conhecida Ordem de Cister. A Borgonha incorporava cidades como Dijon, Besançon, Metz, Luxemburgo e chegou a controlar a flandres e os países baixos. 

Na série salientam-se pelo menos dois fatores curiosos. Apesar do orçamento não ser, com certeza, enorme que permitisse reproduções exatas dos contextos há cuidado histórico, tendo em conta as limitações deste tipo de projetos. Algo que salta à vista prende-se com a presença das múltiplas línguas em simultâneo. Em muitos diálogos os intervenientes falam a sua própria língua, independentemente do interlocutor. Por exemplo, é comum numa conversa uma das personagens falar em francês enquanto a outra responde em alemão. Isto levanta algumas questões interessantes. Na idade média o latim seria a língua erudita e escrita internacionalmente pelos intelectuais. Provavelmente, na prática, o latim pouco seria utilizado fora destes círculos. Parece muito provável que talvez esta fosse mesmo a prática, de cada um falar na sua língua local, sendo que é do conhecimento comum que é mais fácil compreender uma língua que fala-la. Fica a hipótese. Por outro lado, as diversas conotações que se sentem nos discursos de Maria de Borgonha que aludem a um nacionalismo da Borgonha parecem ser anacrónicas, especialmente porque o seu reino era multiétnico, multilinguístico e fruto de um sistema de conquistas e domínios feudais. Ainda assim tenta-se explicar a complexidade do sistema feudal medieval europeu, numa altura em que não tinha aina sido inventado o Estado-Nação. 

Referências bibliográficas:
Ducado da Borgonha, in Wikipédia, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ducado_da_Borgonha
Maximiliano: poder e paixão, in RTP, disponível em: http://media.rtp.pt/extra/estreias/maximiliano-poder-amor/
Reino da Borgonha, in Wikipédia, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_da_Borgonha
Solar, Davis & Villalba, Javier (Dir.) (2007). História da Humanidade: Idade Média. Lisboa: Circulo de Leitores.

domingo, 19 de novembro de 2017

Participação e colaboração não são sinónimos nos processos políticos e cívicos

É muito comum assistir-se ao uso das palavras "participativo" e "colaborativo" como sinónimos, especialmente em contextos políticos e cívicos. Apesar dos processos políticos e cívicos poderem ser as duas coisas em simultâneo não devem ser utilizados como sinónimos. Quando tal ocorre podemos desconfiar de que se trata apenas de uma recurso estilístico para embelezar um discurso ou um determinado conteúdo escrito. 

Os banhistas - Fernand Léger

O termo participativo é um adjetivo que descreve algo ou alguém que "participa ativamente nalguma atividade ou tarefa, fomenta ou propicia a participação, que se exprime ou comunica facilmente, numa relação com o termo comunicativo". O termo colaborativo é também um adjetivo, servindo para descrever algo ou alguém que "colabora ou serve para colaborar". Sendo que colaborar é um verbo que indica "trabalhar em comum com outrem, agir com outrem para a obtenção de determinado resultado, ter participação em obra coletiva". 

Depois destas breves descrições, com base no dicionário online Priberan, percebemos que o ato participativo tem uma conotação individualista enquanto que um ato colaborativo resulta num trabalho coletivo, forçosamente de mais de uma pessoa. Já o ato participativo pode implicar uma certa passividade, podendo significar um "estar presente passivo", como mera assistência, sem mais interações. Por outro lado, a colaboração exige trabalho de interação, originando um produto que será forçosamente diferente do mero somatório das participações individuais que habitualmente são produzidos nos processos participativos*. Apesar da Infopédia referir que o adjetivo participativo implica "participar ativamente em algo" essa participação ativa pode ser simplesmente o ato passivo de ouvir ou estar presente, nada impedindo que ação seja o mero movimento até se colocar nessa posição passiva. Ou seja, os processo colaborativos são sempre participativos, embora os processos participativos possam não ser colaborativos.

No que toca aos processo cívicos e políticos são tanto mais ricos quando se conseguir ir além da mera participação para atingir a colaboração. O Priberam refere que o substantivo política significa "a ciência de governo das nações e a arte de regular as relações de um Estado com outros Estados". Já a Infopédia diz que política é também "a orientação administrativa de um governo, os princípios diretores da ação de governo ou um conjunto dos princípios e dos objetivos que servem de guia a tomadas de decisão e que fornecem a base da planificação de atividades em determinado domínio". Pegando nestes vários significados percebemos que a política diz, quase sempre, respeito a Estados. Quando se diz Estados podemos simplesmente estar a dizer comunidades e coletivos humanos, sociedades no fundo. 

Portanto, podem existir muitos processos políticos e cívicos, quase sempre necessitados de participação, mas nem sempre de colaboração, sendo os casos de processos colaborativos bem mais raros nas práticas políticas e cívicas*. Os processos de colaboração têm ganho popularidade enquanto instrumentos criativos de estudo em laboratórios sociais nas academias e nas empresas mais inovadoras, mas na vertente política, especialmente nas práticas democráticas, parece não haver explicação para a sua não generalização na atividade corrente. Fica a dúvida se essas práticas serão assim tão democráticas como nos querem fazer crer.

Participation is not the same as collaboration. Brief Summary in English.
Participative is not a synonymous of collaborative. Sometimes in political and civic process the two terms are used as the same thing. But to participate don’t have a group dimension, leading to process that only sum the participation of every individual. In a collaborative process the result depends form a group participation, where the result is more and different form just the sum of every individual participation. So, a collaborative process requires participation and a participation process don’t need a collaborative method to work.

* Exemplo comum do orçamento participativo onde cada indivíduo faz uma proposta sem mais interações que o voto dos demais cidadãos.
**Um exemplo de processo colaborativo é o caso do projeto UrbanWINS, em que a problemática em causa - os resíduos urbanos - é abordada do ponto de vista académico mas também incentivando a participação cívica em processo colaborativos. 

Referências:
Infopédia. Disponível em: https://www.infopedia.pt/
Priberan. Disponível em: https://www.priberam.pt/dlpo/

#UrbanWINS
#Abuscapelasabedoria

domingo, 12 de novembro de 2017

O modelo DPSIR nos processos de participação cívica cooperatica: o caso do projeto UrbanWINS

Abstract of key subjects to UrbanWINS DPSIR model. 

The DPSIR model refers to the acronym "Driver-Pressure-State-Impact-Response”. The DPSIR is based on indicators that result from a variety of multidisciplinary methods and models important for understanding a particular phenomena. This model was developed by the European Environment Agency in 1999. This perspective suggests that economic and social development, which are the driving forces (D), exert pressure (P) on the environment and as a result state (S) undergoes environmental changes. These changes have impacts (I) on ecosystems, human health and other factors. Due to these impacts, society responds (R) to the driving forces, or directly to the pressures, state or impacts through preventive, adaptive or curative solutions. We can say that the process enables the possibility to help and intervene in multiple ways in all stages of the processes of changes and generation of environmental impacts. The successful application of the DPSIR model depends on the ability to quantify each D, P, S, I and R element, as well as to establish the various relationships between the them. The task of measuring each of the elements of DPSIR, finding adequate information to quantify each of them, as well as formulating the most appropriate indicators, has been a continuous work since the creation of the methodology. It is intended that the DPSIR can solve the information gaps of the political agents in order to produce better policies (Ferrão & Fernández, 2013). In addition to the improvement of the urban metabolism, as a system, which can be intervened in each one of its components, this procedement aims to help in the process of political decision making, introducing a collaborative option as part of a greater process.

Um resumo da 2.ª Ágora local em Leiria e o modelo DPSIR

Decorreu no passado dia 7 de novembro de 2017 a 2.ª Ágora presencial do projeto UrbanWINS em Leiria. Depois da primeira Ágora, em que os participantes, através de uma metodologia colaborativa de trabalho de grupo e de votação, identificaram algumas prioridades sobre os problemas e desafios dos resíduos urbanos em Leiria, seria o momento de passar à fase seguinte. O objetivo da segunda ágora era aprofundar as prioridades das ações propostas, desenvolvendo-as, através do modelo DPSIR, para que se pudessem começar a desenhar propostas de ações. Essas primeiras propostas resultavam originalmente do processo colaborativo aplicado ao UrbanWINS, que, no fundo, pretendia contribuir para resolver algumas das problemáticas da produção de resíduos e assim melhorar o metabolismo urbano. Mas o processo colaborativo necessitou de ser enriquecido para além dos contributos que gerou, de forma a poderem desenrolar-se as fases seguintes. Assim, a equipa de gestão do projeto conjugou os contributos da 1.ª ágora com recomendações técnicas e com planos que o município de Leiria havia desenvolvido para a temática dos resíduos urbanos. O resultado seria um produto que nascia dos contributos dos cidadãos e stakeholders mas que ganhava mais estruturação e conjugação técnica com as política existentes.


O modelo DPSIR refere-se a às siglas “Driver-Pressure-State-Impact-Response”, que é como quem diz em português: “Forças Motrizes – Pressões – Estado – Impactes – Respostas”. O DPSIR baseia-se em indicadores que resultam de uma variedade de métodos multidisciplinares e modelos importantes para compreender um determinado fenómeno. Este modelo foi desenvolvido pela Agência Ambiental Europeia em 1999. Esta perspetiva sugere que o desenvolvimento económico e social, que são as forças motrizes (D), exercem pressão (P) no ambiente e, como resultado, o estado (S) sofre alterações ambientais. Estas alterações têm impactes (I) nos ecossistemas, na saúde humana e noutros fatores. Devido a estes impactes, a sociedade responde (R) às forças motrizes, ou diretamente às pressões, estado ou impactes através soluções preventivas, adaptativas ou curativas. No fundo dá-se uma possibilidade de ajudar e intervir de múltiplas formas em todas as etapas dos processos de mudança, alterações e geração de impactes ambientais (Ferrão & Fernández, 2013).


O sucesso na aplicação do modelo DPSIR depende da capacidade de conseguir quantificar cada elemento D, P, S, I e R, tal como estabelecer as várias relações entre ambas as componentes. A tarefa de medir cada um dos elementos da DPSIR, encontrando informação adequadas para quantificar cada um deles, tal como formular os indicadores mais adequados, tem sido um trabalho contínuo desde a criação da metodologia. Pretende-se assim que a DPSIR possa colmatar falhas de informação dos agentes políticos, de modo a poderem produzir melhores políticas (Ferrão & Fernández, 2013). Para além da melhoria do metabolismo urbano, enquanto sistema, passível de sofrer intervenção em cada uma das suas componentes, pretende ajudar nos processos de tomada de decisão política, sendo que essa tomada de decisão será tanto melhor quanto mais participada for pelos stakeholders e cidadãos em geral.


Esta 2.ª ágora foi muito mais participada que a primeira, sinal de que ainda é um processo novo, mas com espaço para crescimento, quando assumido e usando de meios de divulgação e incentivo à participação. Não foi de estranhar a primeira questão colocada por um dos participantes. A dúvida alertava para a necessidade de que a identificação das medidas e ações para melhorar a performance e sustentabilidade da cidade através da redução ou melhor tratamento dado aos resíduos, exigia que os participantes conhecessem o diagnóstico do panorama dos resíduos em Leiria. De imediato o facilitador do evento, um cidadão local independente conhecedor da metodologia, explicou que essa ausência de informação era premeditada e necessária para a agilização dos processo que tinha como objetivo: perceber qual a perceção dos cidadãos e não propriamente de um conselho restrito de especialistas sobre o tema dos resíduos. Se voltarmos aos princípios do modelo DPSIR facilmente percebemos que esta metodologia se relaciona com a necessidade de avaliar e perceber se os resultados das políticas estão a ser percebidos ou não pelos cidadãos, se a pressão que as forças motrizes exercem no estado do ambiente são notadas pelas pessoas e se têm sugestões ou a perceção do sucesso das medidas e politicas ambientais em vigor, neste caso sobre o tema dos resíduos.


O evento decorreu sem mais questões e de forma dinâmica. Depois destas explicações os participantes puderam circular pela sala. Munidos de "post-its" puderam dirigir-se aos vários quadros onde se identificavam as prioridades para as políticas de gestão de resíduos urbanos. Os quadros estavam organizados segundo os princípios do método DPSIR: Prioridade; Problemas; Objetivos; Forças motrizes; Pressões; Impactes para a sociedade; Ações propostas. Neles era possível colocar post-its com mais contributos dos stakeholders, que no fundo eram os participantes nessa 2.ª ágora. Na fase seguinte o trabalho foi direcionado para as várias mesas de trabalho onde os participantes se podiam sentar, consoante as ações que pretendiam trabalhar. Em casa mesa existiam duas ações para trabalhar e aprofundar. O grupo teria de preencher cada uma folha por ação em que constavam os campos: Descrição da ação; Fluxos afetados (energia, água, resíduos, uso do solo, poluição do ar, etc.); Tipo de resíduos; Posição na cadeia do material/reciclado; Responsabilidade pela implementação; Stakeholders envolvidos na implementação; Stakeholders afetados pela implementação; Informação adicional necessária. 

Na prática a implementação destas sessões parecem ser muito simples, na perspetiva dos cidadãos e stakeholders participantes. Podem parecer também algo ingénuas, quando se cria a ilusão que vão resolver todos os problemas e encontrar a derradeira solução para os problemas em causa. Mas acaba por ser um trabalho estruturado e que, obtendo alguns resultados úteis para as questões de melhoria objetiva que se pretendem implementar, acima de tudo tem o grande potencial e valor de conseguir fomentar processos colaborativos e participativos da comunidade, evitando outros formatos mais rígidos e que não desenvolvem competências cívicas ativas nos cidadãos. Só isso tem um valor incalculável.

#UrbanWINS
#Leiria

Referências bibliográficas:
Ferrão, Paulo & Fernández, John (2013). Sustainable Urban Metabolism. London, Cambridge: The Mit Press.
UrbanWINS. [em linha]. Disponível em: https://www.urbanwins.eu/

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