terça-feira, 20 de setembro de 2016

Morte Negra - Um filme de ação credível sobre a Idade Média

Morte Negra pode parecer, à primeira vista, um filme de terror. É assustador, não por ser feito para esse fim, mas porque retrata uma época da história da europa hoje inimaginável.  Este filme de Christopher Smith conta com um elenco de atores bastante conhecidos e reconhecidos pela qualidade das suas performances em filmes de época. Sean Bean, Eddie Redmayne, Tim McInnemy, Carice Van Houten entre outros. As interpretações não dececionam, contribuindo para a credibilidade e realismo próprio do filme.
 

É essa credibilidade que eleva este filme acima de tantos outros filmes de acção de cariz histórico. Trata-se de uma história inserida no contexto das grandes pestes que assolaram a europa durante o século XIV, época conhecida como o período da Peste Negra. Não se pense que é um documentário. Obviamente tem as suas falhas, mas comparado com outros filmes este tem mais interesse do ponto de vista histórico.

O mais difícil de recriar nos filmes ditos históricos são as mentalidades, pois tendemos a representar épocas passadas segundo os nossos valores e princípios contemporâneos. Nota-se uma preocupação neste filme, apesar de ser direcionado a um público generalista, para com a profundidade das personagens e para o enquadramento histórico geral. As personagens são complexas, atormentadas, fruto da época em que vivem. A obra não escapa a alguns clichés, mas enriquece os espectadores com pormenores que não dececionam um publico mais exigente quanto aos conteúdos.

Sem desvendar o enredo seguem-se alguns exemplos. O guarda-roupa está bem conseguido, com distinção nas roupas e armamento entre as ordens sociais e hierarquias. O cavaleiro representante do bispo tem espada e uma armadura coerente, enquanto os restantes mercenários recorrem a armamento variado, usado e de menor qualidade.  Há alguma coerência na organização da aldeia descrita. O facto de existirem territórios pouco desconhecidos, quase bravios, que escapam ao poder feudal e eclesiástico é também verossímil. Na idade média o poder laico e eclesiástico tinha deveras dificuldades em controlar determinados territórios, tanto pela falta de meios e limitações técnicas, como pela própria organização em que se fundava.

A razão pela qual o filme tem passado quase despercebido e ter recebido algumas avaliações pouco positivas pode estar relacionado com o seu realismo. Morte Negra mostra o lado negro do cristianismo, da igreja e do radicalismo religioso medieval. Aborda a credulidade humana e regista episódios assustadores, próprios de uma época violenta onde a religião e a superstição amplificaram a crise de saúde pública provocada pelas pestes.
Provavelmente o título poderá ter contribuído para alguma confusão nos públicos para os quais o filme foi pensado. Não se trata de um filme de terror. Sendo um filme de ação não tem a sequência de ação por vezes apreciada. O fim pode ser surpreendente. Tal como o público que goste de uma recriação mais soída seja também afastado pelo título e pelo modo "hollywoodesco" com que o filme é apresentado.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Castro de Monte Mozinho – O génio da adaptação romana à geografia física e humana

Existe um tesouro arqueológico em Penafiel herdado da ocupação romana do território português. Este e outras preciosidades arqueológicas e da história nacional tiveram direito a destaque na série de documentários “Escrito na Pedra”, da autoria de Júlia Fernandes e recentemente exibidos na RTP2. Trata-se do castro de Monte Mozinho.

Fonte da imagem: http://www.cm-penafiel.pt/

Os vestígios desta povoação são particularmente curiosos. Uma vista aérea poderá levar os mais imaginativos aficionados da ficção científica a identificar o desenho de uma nave espacial – houve que dissesse que parecia o Millenium Falcon da saga Star Wars. Mas o sítio é especialmente curioso por ser um castro construído por romanos.

Os castros eram as povoações fortificadas de origem antiga, reconhecíveis nos povoados celtiberos da península, associados à Idade do Ferro. Constituíam-se em locais elevados, aglomerando casas de planta circular e telhados de colmo, defendidas por muralhas simples. Ou seja, com a romanização este tipo de ocupação foi sendo abandonada e a população indígena começou a adotar o modelo urbano romano, de planeamento em malha quadrangular, a ortogonalidade do cardo-decumanos, centralidade do fórum, praças e outros edifícios públicos. Importantes foram também as vilas - edificações centralizadoras que organizavam latifúndios e áreas de exploração do território rural, semelhantes a quintas de grandes dimensão e que poderiam ser imensamente ricas e autossuficientes.

Mas o Castro de Montezinho foi construído pelos romanos no século I. d.C., sendo ocupado até ao século V da nossa era. Não se trata da romanização de uma povoação mais antiga. Tudo indica, tal como salienta o documentário, que os romanos terão adotado este design de castro para atrair para aquele novo povoado a mão-de-obra indígena, pois pretendiam explorar o território da envolvente, rico em minérios. Não sendo de descurar o valor estratégico de domínio do território.

Assim, este castro é urbanisticamente híbrido. É singular, para além de proporcionar uma experiencia de visita única pela riqueza dos achados arqueológicos e vestígios dos edifícios descobertos e expostos para contemplação. Tudo indica que se trata de mais uma manifestação do génio de gestão e organização territorial dos romanos, sempre capazes de se adaptarem à geografia física e humana dos territórios que dominaram, tentando tirar deles o melhor partido.

domingo, 4 de setembro de 2016

A ilusão da aceleração e os benefícios da demora - Um ensaio filosóficos de Byung-Chul Han

Byung-Chul Han parece um nome estranho para um filósofo da escola alemã especialista em Heidegger. Independentemente disso o autor germano-koreano tem lançado algumas obras interessantes, de leitura mais leve, mas sem serem simplistas, sobre temas da filosofia contemporânea próximos do cidadão comum, minimamente informado.
Ophelia - John Everett Millais
No seu livro "Aroma do Tempo - um ensaio filosófico sobre a arte da demora" Byung-Chul Han fala efetivamente do nosso tempo, do modo como a vida contemporânea parece ser mais acelerada, um frenesim mesmo. Mas o autor tem uma visão alternativa. Para ele o tempo não acelerou. Simplesmente removemos barreiras que nos ajudavam a estabelecer etapas e limites naturais. Hoje tudo parece acontecer num contínuo e em sobreposição, simplesmente porque não há o tempo de pausa que contribua para definição etapas e momentos de vida, aquilo que nos que nos ajudaria a situar e localizar num percurso finito, do qual queremos tirar maior e melhor partido.

Byung-Chul Han  refere-se constantemente ao termo "atomização" do tempo, uma contínua dispersão sem momentos diferentes, o que parece uma crítica e comparação do modo de vida contemporâneo aos princípios do sistema de produção fordista/taylorista, da produção em massa e numa linha de montagem com processo ininterruptos e repetitivos.
Esta perda de referências temporais torna-nos impreparados para lidar a realidade da vida e a inevitabilidade da morte. Se com a estruturação balizar das fases de vida nos preparávamos para a morte, agora parece faltar o apoio  natural e graduação perante um caminho que tem sempre um fim, mas que não tem de ser uma correria contínua. Talvez seja aqui que Byung-Chul Han se aproxima de Heidegger, que se dedicou, direta e indiretamente, à morte.
Isto pode parecer um bocado vago. Tentemos materializar com exemplos. Quando começa a adolescência e a idade adulta hoje em dia? Até quando somos jovens? Um idoso, o que o define, especialmente quando se diz que a idade é um estado mental? Existe ainda uma idade para estudar, trabalhar ou constituir família? E quanto tempo passa entre todas estas etapas?
Todas estas questões levantam imensas dúvidas e ainda mais questões. As respostas são imensas. Dificilmente se chegará a um consenso ou às respostas certas tendo em conta o nosso atual modo de vida e organização social, tendo em conta que vivemos em sociedades pós-modernistas. Talvez essa dificuldade se prenda no fundo com o que Byung-Chul Han pretende alertar: perante a ânsia de acelerar o tempo e não investir na adequada demorara que ajudaria a definir as várias etapas de vida e uma preparação para a morte, parecemos viver de modo acelerado longas vidas sem que efetivamente tivéssemos aproveitado o tempo finito que dispomos, pois parece que nunca paramos para saborear cada etapa.
Apesar do arriscar interpretativo, fica a referência e a contribuição para dar a conhecer este autor e assim refletir sobre o modo acelerado como vivemos. Apesar dessa vontade de aproveitar o tempo ao máximo muito provavelmente até podemos fazer menos, pior e nem sequer ser mais felizes com o tempo que dispomos.


Referências bibliográficas:
Han, Byung-chul. "O Aroma do Tempo - um ensaio filosófico sobre a arte da demora". Lisboa: Relógio d'Água, 2016

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