terça-feira, 27 de outubro de 2015

Frente Popular - Quando toda a Esquerda se uniu numa coligação de governo

Diz-se que a história pode ser memória, mas na prespetiva coletiva que resulta da coincidência e partilha das memórias individuais subjetivas. A história tentará escapar a essas fragilidades da memória, mas as ligações existem sempre, nem que seja pela nossa consciência atual e memória ir beber também alguns dos seus conteúdos à história.
 
Bem, isto tudo para relembrar um episódio de história que se liga à realidade política contemporânea portuguesa.  

Cartaz alusivo à Frente Popular Francesa

 
Em 1936 formou-se em França o governo da Frente Popular. Os efeitos da  Grande Depressão massacravam mais uns países que outros, mas muito poucos lhe escapavam, especialmente as democracias liberais como a francesa. Entre 1930 e 1935 o número do desemprego em França subiu de 12.000 para 500.000. A crise eternizava-se sem que as políticas deflacionistas dos governos liberais conseguissem reverter a situação.
 
Tanto a esquerda como a direta mais radical contestavam os governos liberais de então. A esquerda mais moderada pedia soluções inspiradas em Keynes, no New Deal, e no intervencionismo e regulação da economia. A direira tendia para as soluções fascistas, enquanto que a extrema esquerda pendia para os movimentos revolucionários, comunistas ou outros.
 
Desse caos e instabilidade política surgiu então uma novidade política improvável. Surgiu a Frente Popular: uma ampla coligação de esquerda. Estavam incluídos partidários comunistas, socialistas e radicais sob o lema: "Pelo pão, pela paz e pela liberdade". Apesar das clivagens históricas entre as várias fações de esquerda, a coligação formou governo e governou de facto mudando a história. Propôs-se como objetivo principal deter o avanço fascista em França, de modo a evitar o que acontecera na Alemanha e Itália.
 
Apesar desta união de esquerda, os comunistas estiveram ausentes dos governos, o que não impediu a coesão do projeto político de ampla coligação.
 
A Frente Popular foi responsável por notáveis impulsos na legislação social, reforçada e apoiada pelas grandes mobilizações grevistas que envolveram civicamente a classe trabalhadora. Foi um momento simbólico de libertação social. Isso forçou o patronato a pedir ao Governo uma mediação para o conflito que resultou nos "Acordos de Matignon".
 
Os novos acordos permitiram assinar contratos coletivos de trabalho entre empregadores e assalariados, em que se aceitava a liberdade sindical e se previam aumentos salariais. Pouco depois surgiram novos diplomas que implementaram as 40 horas de trabalho semanal e 15 dias de férias pagas por ano a todos os trabalhadores. Estas medidas permitiram criar um clima de paz social e combater a crise económica. Aumentou o poder de compra e criou-se mais emprego devido à diminuição dos horários de trabalho.
 
Tudo o que aqui foi referido resulta de uma decalcação quase integral do manual de História 12ºA - O Tempo da História, da Porto Editora,  adotado para o  ensino formal em Portugal. Não se trata de uma peça de propaganda ideológica. Longe disso, é apenas  história factual e conhecimento geral definido como importante para o percurso escolar nacional. Este conhecimento, mais que a dimensão escolar, é também útil por questões cívicas e políticas para a população em geral. Mas para isso é necessário que faça parte da memória coletiva e não apenas uma matéria a decorar pelos estudantes do ensino secundário.
 
 
 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Pais Desesperados – Uma série de proximidade cultural

Fais Pas Ci, Fais Pas Ça” é uma série de sucesso em França que está neste momento a ser exibida em Portugal na RTP2. Trata-se de humor, do tipo sitcom, sobre famílias.

Até aqui tudo normal. Mas é dessa normalidade que a sua exibição em Portugal se torna original. São imensas as séries de humor e muitas as que tratam temas da família, sendo a esmagadora maioria delas de origem americana. Embora essas séries tenham qualidade, ou mesmo muita qualidade, os enquadramentos, os valores, cultura e identidades que transmitem não têm a devida correspondência com a sociedade Portuguesa. Mesmo com os processos de mundialização mais que enraizados há coisas que continuam a ser estranhas, que nada têm que ver que a cultura portuguesa ou sequer europeia. Por exemplo, a dicotomia Este/Oeste, Democratas/Republicanos, os desportos, o Dia de Ação de Graças e o peru no natal, os subúrbios de casas em madeira, as armas livres e a proibição do álcool até aos 21 anos não encaixam.
 
Esta série francesa, por outro lado, aproxima-se muito mais da nossa realidade. Quer queiramos quer não, a cultura francesa é muito mais próxima da portuguesa. Tratando a série de assuntos da lide social e familiar estas proximidades tornam a série muito mais interessante. Notamos as referências ao catolicismo cultural, ao futebol, às cidades de organização europeia, ao sistema de ensino e saúde públicos, à política da União Europeia, à dicotomia Esquerda / Direita, o multiculturalismo e conflitos religiosos, as relações familiares e etc. Todas essas coisas, e muitas outras que obviamente não posso aqui citar, enquadram a serie na cultura europeia e assim aproxima-a da nossa, a portuguesa.
 
A série tem imensas referências hilariantes À vida privada familiar, especialmente nos diálogos e suas subtilezas, coisas que podiam e acontecem nessas famílias por ai fora. Recorre a um humor inteligente, bem enquadrado socialmente sem temer entrar em temas da religião, política, desigualdades sociais, racismo e outros que, por vezes, são deixados de fora para garantir alguma neutralidade não ofensiva.
 
Por isso, se quiserem ver uma série onde se podem identificar aqui têm a sugestão: Fais Pas Ci, Fais Pas Ça (Pais Desesperados).

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Hipermodernismo hiper resumido

Na cama - Ron Mueck
Lipovertsky, como poucos filósofos contemporâneos, fala em linguagem do nosso tempo para o nosso tempo. Claro que não resiste à caracterização e utilização de termos sociológicos e filosóficos. Usa o termo "Hipermodernismo" para distinguir estes nossos tempos do "Pós-Modernismo". Os tempos "hipermodernos" não são um "pós-pós-modernismo", mas sim um "Pós-modernismo" exacerbado, exagerado e potenciado.
 
Então, de um modo muito simples, o hipermodernismo é próprio das sociedades democráticas e liberalizadas da mundialização. São as sociedades em rede, de complexas relações e interrelações mas onde o individualismo se reforça. É a era do "híper" tudo. Da velocidade, do imediato e do fugazmente intenso. Dá-se o primado do individualismo e do consumismo.
 
No entanto, nem tudo é, supostamente, negativo. Os indivíduos híper reforçados pela sua hiperliberdade são guiados por um novo modelo hedonista. Procuram os prazeres e a felicidade. Nada disso significa o fim dos projetos coletivos, mas a adesão a esses projetos só ocorre em liberdade, sem os ditos indivíduos os valorizarem e considerarem benéficos. O hedonismo liga-se à solidariedade e ao prazer do envolvimento nas causas nobres, geradoras de felicidade.
 
Mas estas liberdade e individualismo também geram frustração e deceção, tal como Lipovetsky refere na sua obras "Sociedade da Deceção". A liberdade tem estes paradoxos e os tempos "Hipermodernos" são complexos e vertiginosos.


Referências bibliográficas:
  • Lipovetsky, Gilles. "Os tempos hipermodernos". Lisboa: Edições 70, 2011.
  • Lipovestky, Gilles. "A sociedade da deceção". Lisboa: Edições 70, 2012.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A busca da identidade diferenciadora através do património literário

A memória humana pode ser precária. As memórias podem assim estar em constante mutação e adaptação. Elas são, no entanto, património de uma dimensão imaterial, passíveis de fundamentarem processos identitários dos indivíduos, que ganham força de necessidade estruturante nas sociedades pós-modernistas estritamente imbuídas nos processos de mundialização e globalização.
O Rabi - Andre Martins de Barros
Partindo da originalidade de Petrarca, que definiu um novo método de leitura e abordagem ao livro enquanto fonte de conhecimento, longe das tradições rígidas que colocavam a importância na preservação em forma de decorar, surgem os processos criativos de interpretação do conhecimento e memórias registados. Desde então os processos de reinterpretação dos documentos escritos não sessaram. Um exemplo contemporâneo disto são as contantes reanálises e reinterpretações dos grandes escritos clássicos (incluindo os textos sagrados), renovados nas suas leituras e que muitas vezes são redescobertos e reinventados como peças essenciais de um património cultural e imaterial coletivo de determinada sociedade. É essa mutação da memória e sua capacidade de adaptação aos tempos que podem tornar um documento escrito, apesar de antigo, num património imaterial constantemente útil e renovado nas suas interpretações para o sustentáculo das entidades que se querem preservar nas sociedades mundializadas.
Algumas Referências bibliográficas:
  • AAVV. Enciclopédia Einaudi- Memória e História. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa Da Moeda, 1987.
  • Lacroix, Michel. O Princípio de Noé ou a ética da salvaguarda. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
  • Lipovetsky, Gilles. Os tempos Hipermodernos. Lisboa, Edições 70, 2013.

 

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